![Três capturas de tela de stories em que MC Gui aparece, no Instagram](https://ichef.bbci.co.uk/news/660/cpsprodpb/0797/production/_109334910_mcgui1.jpg)
"Mano, olha isso", diz
o cantor MC Gui, ao filmar uma menina em um trem da Disney, nos Estados Unidos.
Ele e os amigos riem da situação. A criança aparentar estar ciente, incomodada
e constrangida com a situação. O episódio foi filmado e compartilhado pelo
músico de 21 anos em seus stories, no Instagram, na última segunda-feira (21).
O caso gerou revolta em internautas,
que criticaram duramente a postura do cantor, que tem 7,7 milhões de seguidores
no Instagram. O assunto se tornou um dos mais comentados no Twitter no mundo.
O músico apagou o conteúdo que
expunha a criança e gravou vídeos se desculpando, parcialmente.
"Não tive intenção nenhuma
de julgar alguém. Sou ser humano, posso ter errado", declarou.
Ao falar sobre os incontáveis
comentários negativos que recebeu, afirmou que "não é legal distribuir
ódio na internet". "Peço desculpas a todos envolvidos, mas só Deus
sabe do meu coração", disse.
Diante da repercussão negativa, o
cantor teve shows cancelados. Uma loja que vendia produtos licenciados pelo
músico anunciou que não comercializará mais nada relacionado a ele, por não
compactuar com "qualquer tipo de preconceito, principalmente quando se
trata de uma criança indefesa."
O episódio envolvendo MC Gui traz
à tona o debate sobre a ampla exposição de crianças em situações vexatórias na
internet e em redes sociais em vídeos, fotos e memes, muitos virais.
Esse universo de exposição
infantil envolve desde conteúdos que podem ser considerados exposição de imagem
sem consentimento até bullying em uma escala planetária.
Em algumas situações, os casos
podem parar na Justiça e culminar em indenização por danos morais.
Vídeos e memes de crianças
O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) proíbe a exposição de menores de idade a situações
vexatórias.
"O ECA resguarda a dignidade
das crianças e adolescentes. É obrigação de toda a sociedade proteger a criança
de situações que podem causar abalo moral", diz o advogado Rofis Elias,
especialista em Direito de Informática e Novas Tecnologias.
"Além disso, a Constituição
Federal protege o direito de imagem de qualquer cidadão. Se houver desrespeito
a esse direito, a pessoa pode ser obrigada a pagar indenização à vítima",
completa Elias.
O advogado afirma que é
fundamental que os pais estejam atentos ao que os filhos fazem nas redes.
"É necessário haver essa
fiscalização. A internet não é perigosa. Perigosa é a falta de informação. Os
filhos precisam entender que é fundamental ter cuidado na internet",
declara.
Em caso de a criança ou
adolescente ser exposta a situação constrangedora nas redes sociais, uma das
principais medidas é solicitar que a Justiça mande retirar todo o conteúdo que
envolva o episódio.
"O juiz pode mandar tirar do
ar imediatamente qualquer vídeo relacionado à situação e proibir qualquer meio
de veicular, sob a pena de multa diária", comenta Elias.
O especialista detalha que as
redes sociais somente se tornam obrigadas a retirar tais conteúdos em caso de
notificação judicial.
"Se não receber uma ordem
judicial, a plataforma não é obrigada a apagar o conteúdo, ainda que receba
diversas denúncias de usuários. Enquanto não há uma decisão judicial, ela
exclui o conteúdo apenas se quiser."
As redes sociais afirmam que
possuem mecanismos para tentar evitar que crianças sejam
expostas de maneira indevida.
'Internet não é terra sem lei'
Elias ressalta que é fundamental
que as pessoas reflitam antes de publicar qualquer conteúdo que possa expor
negativamente uma pessoa.
"A internet não é terra sem
lei. Muita gente não aprendeu isso ainda. O que é feito na internet não fica apenas
na internet. Na verdade, não há separação do mundo real para o virtual. O que é
feito na internet é feito no mundo real", declara.
"A pessoa pode ver uma
situação engraçada, criar memes e colocar na internet. Mesmo sem fazer por
maldade, é uma situação na qual ela pode ser responsabilizada", pontua.
Psiquiatra da Infância e
Adolescência, Mirian Revers Biasão relata que exposições constrangedoras na
internet costumam ser muito mais prejudiciais quando envolvem crianças. "O
cérebro da criança está em franco desenvolvimento. As últimas regiões a
finalizarem esse processo são as relacionadas a julgamentos e tomada de
decisões."
"Uma criança exposta a
situações vexatórias não tem condições de avaliar essa exposição de forma clara
e objetiva. Geralmente, ela passa a acreditar que merece aquilo por ser ruim,
incapaz ou feia. Dependendo da intensidade e duração da exposição, a criança
pode desenvolver sintomas de ansiedade, tristeza, choro e irritabilidade. Ela
passa a não querer mais ir à escola ou a outros ambientes", diz à BBC News
Brasil.
Segundo a psiquiatra, o fato pode
impactar profundamente o desempenho acadêmico e social da vítima.
"Isso depende bastante da
extensão da exposição. Se foi em um grupo fechado da escola, a criança pode
apresentar sintomas mais relacionados ao ambiente escolar. Mas, se for mais
generalizado, o impacto será maior. A mesma lógica se aplica ao tempo
relacionado à exposição. Se é algo constante e repetitivo terá um impacto
maior."
Mirian pontua que os pais devem
ficar atentos a qualquer alteração no comportamento da criança.
"É importante conversar para
entender o que está causando essa mudança. É preciso perguntar e escutar sem
julgamento e com empatia", diz.
"Uma exposição pontual na
escola pode parecer pouco para o adulto. Mas é naquele ambiente que a criança
passa a maior parte do dia e onde se encontra com grande parte da sua rede
social. Então, para a criança, tem muita relevância", explica.
Em caso de exposição nas redes,
além de buscar as medidas judiciais cabíveis, a psiquiatra explica que os pais
devem ser compreensivos com a criança e buscar soluções para o episódio.
"É importante que a criança seja ouvida, para que ela se sinta parte da
solução."
"Quando se trata de bullying
praticado por uma criança contra outra, é importante ter um olhar cuidadoso
para quem pratica. Mas se a exposição é feita por um adulto e se há cunho
discriminatório, cabem medidas judiciais", declara.
O modo como as redes sociais
lidam com a exposição de crianças a possíveis casos de cyberbullying é
considerado um dos problemas sobre o assunto. Isso porque diversos vídeos ou
memes que podem constranger os menores que estão em evidência podem permanecer
disponíveis por tempo indeterminado.
"Fazer esse filtro do que é
vexatório ou não é muito difícil. Os filtros aplicados nas redes sociais leem
os pixels de determinada imagem. No Facebook, por exemplo, se ele entender que
determinado conteúdo é de nudez, ele exclui. Há também algumas palavras que
podem ser consideradas ofensivas nas redes sociais e, por isso, publicações que
as citem são excluídas", diz o advogado Rofis Elias.
"Mas quando é uma foto ou
vídeo envolvendo uma situação de bullying contra uma criança, dificilmente será
impedido de ser publicado por uma rede social. Uma das alternativas é que
muitas pessoas denunciem, para que exista a possibilidade de ele ser,
possivelmente, deletado", completa.
Em nota à BBC News Brasil, o
Instagram afirma que a segurança das pessoas na rede social, em especial os
jovens, é a sua maior responsabilidade. "Queremos manter o Instagram uma
comunidade positiva e diversa", diz. Segundo o comunicado, conteúdo de
bullying com o objetivo de degradar ou envergonhar um indivíduo viola as
Diretrizes da Comunidade do Instagram e são removidos. "Pedimos que a
nossa comunidade denuncie quaisquer conteúdos que acreditem violar nossas
Diretrizes da Comunidade", finaliza.
O Instagram não informou se tomou
alguma medida contra MC Gui após as publicações dos vídeos. Nas redes sociais,
pessoas indignadas com a situação afirmaram que iriam denunciar o perfil do
cantor, mesmo depois de ele ter apagado os vídeos com a imagem da garota.
A BBC News Brasil também entrou
em contato com o Facebook, que compartilhou um trecho de suas políticas na qual
é mencionado que casos de bullying e assédio não são tolerados. A rede social
pede para que as situações sejam denunciadas. A plataforma tem uma Central de
Prevenção ao Bullying, na qual adolescentes, pais e educadores podem buscar
orientações relacionadas ao tema.
O Twitter e o Google também foram
procurados, mas não responderam, até a noite de terça-feira (22), sobre as
políticas de prevenção a exposição ofensiva de crianças.
O caso de MC Gui
O advogado Rofis Elias afirma que
MC Gui pode ser processado por dano moral após ter compartilhado o vídeo da
criança na Disney.
"Ele expôs a garota a uma
situação vexatória, que pode ter trazido abalos para a garota", pontua.
Neste caso, por se tratar de uma
família possivelmente estrangeira, o processo pode ser feito no país de origem
da criança ou no Brasil.
"Isso depende da forma que
os pais acharem melhor", diz o advogado.
Nas redes sociais, diversos
internautas passaram a chamar a garota de Jully e disseram se tratar de uma
criança que havia se recuperado recentemente de um câncer. Mas não se sabe se a
informação é verdadeira. Isso porque a menina que se tornou alvo do vídeo do
brasileiro não foi identificada.
BBC Brasil
Nenhum comentário :
Postar um comentário