
Neste domingo (8),
147 milhões de brasileiros são esperados às urnas para escolher um novo
presidente, depois de uma campanha sem precedentes em vários sentidos.
Chamaram
a atenção os discursos violentos nas redes sociais e comícios, o fato
de um dos candidatos ter sido esfaqueado em plena campanha, e a ampla
movimentação de mulheres na campanha do "EleNão".
Mas,
segundo especialistas, esses episódios estão por traz de transformações
mais profundas na realidade política brasileira. A BBC News Brasil
perguntou a cientistas políticos que fatores tornam essa eleição
diferente de todas as outras:
Fim do ciclo PT-PSDB na eleição presidencial
Há
24 anos, desde 1994, o Brasil observava uma alternância no poder entre
PT e PSDB. Apenas candidatos desses dois partidos pareciam ter real
chance de vencer uma eleição presidencial- a disputa em segundo turno
sempre acaba ocorrendo entre petistas e tucanos.
O
PSDB assumiu dois mandatos consecutivos com Fernando Henrique Cardoso, e
o PT, quatro mandatos (sendo o último interrompido por um impeachment),
com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
No
primeiro turno da eleição de 2014, Marina Silva, na época filiada ao
PSB, chegou a crescer a ponto de superar, por alguns momentos, as
intenções de voto de Aécio Neves, do PSDB. Mas a candidatura dela se
desidratou e o segundo turno acabou sendo novamente entre PSDB (Aécio
Neves) e PT (Dilma Rousseff).

Para
os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o fim do clico "PT-PSDB"
é uma das principais características dessas eleições. Fernando Haddad,
do PT, está em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás de Jair
Bolsonaro (PSL), mas o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, está
estagnado em quarto lugar.
"A primeira coisa que a
gente nota é a quebra do padrão de competição em torno da dupla PT e
PSDB. Embora o PT continue como um dos players
mais competitivos, eu não conheço ninguém na ciência política que
apontasse o PSDB com um desempenho tão baixo", afirma a cientista
política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor
Público (CEPES) da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
"O PSDB sai de cena e entra uma outra força bem mais à direita, que é o
Bolsonaro, de um partido pequeno. E o centro está muito fragmentado,
com a distribuição de votos entre Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles,
Marina Silva e Ciro Gomes, numa disputa que levou a um alto grau de
imprevisibilidade", completa a professora de Ciência Política Maria do
Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Maior nível de polarização da democracia moderna
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Image caption Segundo Andrea Freitas, da Unicamp, a divisão no país é tão acentuada, que pode ser observada em termos de gênero, cor e renda |
A eleição de 2014 já demonstrava
um alto grau de polarização entre antipetistas e simpatizantes do PT.
Nessas eleições, essa divisão assumiu o maior nível da recente história
democrática, segundo as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil.
Segundo
a pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (6), Bolsonaro e Haddad
chegariam ao segundo turno com percentuais maiores de rejeição do que de
votos. O candidato do PSL, que aparece com 40% das intenções de voto no
primeiro turno, tem 44% de rejeição. Já Haddad tem 25% das intenções de
voto e 41% de rejeição.
"A
eleição de 2014 já mostrava uma polarização e havia um discurso mais
rancoroso, mas não com a força e a centralidade que assumiu no pleito
desse ano", afirma Lara Mesquita, da FGV.
Andrea
Freitas, professora de ciência política da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), destaca que a divisão entre dois polos é tão
acentuada, que pode ser observada em termos gênero, cor e renda.
"Temos
rico contra pobre, Sul contra Nordeste, mulheres contra homens, mais
educados contra menos educados. Existe uma estratificação muito mais
explícita", diz.
As pesquisas de intenção de
voto mostram que Jair Bolsonaro encontra maior apoio entre homens,
brancos, do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, com alta escolaridade e renda. É
o perfil oposto de simpatizantes de Fernando Haddad (PT) - a maioria de
negros e pardos, mulheres, baixa renda e escolaridade e do Nordeste.
Segundo
as especialistas, a crise econômica brasileira, com a duplicação da
taxa de desemprego, aliada aos escândalos de corrupção investigados pela
Operação Lava Jato, contribuíram para gerar esse clima de polarização.
De
um lado, há os que se ressentem da prisão do ex-presidente Lula e
culpam as forças de direita pelo impeachment de Dilma Rousseff. De
outro, os que acreditam que o declínio econômico e a corrupção sistêmica
no Brasil são responsabilidade do PT.
A mobilização das mulheres

O
terceiro aspecto citado pelos especialistas como marcante nestas
eleições foi o protagonismo das mulheres durante a campanha,
principalmente em oposição ao candidato Jair Bolsonaro. Entre o público
feminino, a rejeição do candidato doPSL alcança 50%, segundo Ibope e Datafolha.
Durante
a campanha, mulheres contrárias à agenda do deputado Jair Bolsonaro
organizaram o movimento #EleNão, nas redes sociais, e fundaram, no
Facebook, o grupo "Mulheres contra Bolsonaro".
O
mote era tentar impedir a eleição do candidato do PSL e viabilizar
alguma das outras alternativas. No sábado 29 de setembro, milhares
tomaram as ruas de 114 cidades para protestar contra Bolsonaro. Em
resposta, mulheres defensoras do candidato do PSL criaram a campanha
EleSim e também organizaram atos em 16 cidades.
Segundo
as especialistas ouvidas pela BBC News Brasil, as mulheres são quem
estão segurando uma escalada ainda maior de Bolsonaro, dificultado as
chances de o ex-capitão do Exército vencer em primeiro turno.
"A
gente não teve, nas eleições passadas, um candidato com uma diferença
tão grande entre homens e mulheres. Como as mulheres são maioria entre
os indecisos, se essa diferença se confirmar, se o padrão não mudar,
elas terão segurado uma vitória no primeiro turno", diz Lara Mesquita,
da FGV.
Para a professora de ciência política
Luciana Veiga, da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro), independentemente do resultado eleitoral, a mobilização das
mulheres durante essa campanha é sem precedentes.
"Essa
atuação proativa das mulheres, tanto no Facebook quanto nas ruas, foi
significativa, independentemente do peso que vai ter na eleição. Na
sequência do movimento do EleNão, apareceu o EleSim, mas é a primeira
vez que temos uma mobilização dessa. Em 2014, tivemos duas mulheres
entre os principais candidatos e a gente não teve essa reação."
Peso do 'medo' e o temor de retrocessos democráticos
As
especialistas ouvidas pela BBC News Brasil mencionaram o temor de um
retrocesso democrático como um dos aspectos dessa eleição.
"Em
nenhum momento, desde a redemocratização, a gente teve uma eleição em
se que se sentisse que algum candidato pudesse representar uma ameaça à
democracia. Não se achava que Lula não respeitaria as regras do jogo.
Mesmo (Fernando) Collor não se apresentava como ameaça à democracia",
disse Lara Mesquita, da FGV.
Eleitores contrários
à candidatura de Bolsonaro mencionam as propostas de aumentar a
participação do Exército, o elogio à ditadura e a declaração do deputado
do PSL de que não aceitará qualquer resultado das urnas que não seja a
sua vitória, como indicadores de riscos à democracia.

Já
o grupo contrário ao PT teme que, para governar num ambiente de alta
rejeição e crescimento da direita, o partido possa lançar mão de
propostas para fortalecer o Executivo e reduzir a autonomia de
Legislativo, Judiciário e Ministério Público.
"Temos
um candidato entendido como uma ameaça à democracia, na avaliação dos
cientistas políticos. E há quem advogue que o segundo candidato nas
pesquisas também possa representar uma ameaça à democracia, diante do
contexto atual de polarização", afirma Lara Mesquita.
Preocupam os analistas a defesa, pelas chapas de Bolsonaro e Haddad, de uma nova Constituição Federal.
Enquanto
o programa de governo do candidato do PT, Fernando Haddad, propõe a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, o candidato a
vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), general Hamilton
Mourão, defende nomear uma comissão de "notáveis" para reescrever a
Constituição.
O ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Marco Aurélio Mello vê essas. Para ele, o objetivo dos
políticos deveria ser cumprir a Constituição que existe, e não
substituí-la.
"O que precisamos é de homens
públicos que observem a ordem jurídica constitucional. De homens que
cumpram e amem mais a Constituição, que tenham apego pelo que está
estabelecido e cumpram o que está estabelecido", disse o ministro ao ser
perguntado pela BBC News Brasil sobre as propostas de Haddad e Mourão.

Especialistas
em política e direito constitucional ouvidos pela BBC News Brasil
também afirmaram que, num momento de divisão e polarização do Brasil, a
Constituição é uma das úncias garantias de que os direitos do grupo
derrotado na futura eleição não serão atropelados. Portanto, as
propostas dos dois primeiros candidatos de substituir as normas
constitucionais acende um sinal de alerta.
"Você
tem um país polarizado, conflagrado, não é um momento de consenso. Abrir
um processo constituinte nesse momento traz a possibilidade de um
resultado não democrático", avalia o diretor da faculdade de direito da
FGV, Oscar Vilhena.
"Nós tendemos a associar a
Constituição com o regime em vigor. E há uma grande correlação entre
democracia e a Constituição de 1988. Se você faz uma Assembleia
Constituinte, você estará de certa forma argumentando por uma ruptura",
completa o cientista político Timothy J. Power, diretor do Programa de
Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Peso das redes sociais, especialmente do WhatsApp

Pela
primeira vez em mais de 20 anos, o candidato que está à frente das
pesquisas é, também, um dos que teve menos tempo de propaganda eleitoral
gratuita na televisão. Por integrar um partido com baixa representação
no Congresso Nacional, Bolsonaro contou só com 8 segundos diários no
horário eleitoral gratuito.
Geraldo Alckmin, que
tinha o maior tempo de TV (5 minutos e 32 segundos), não deslanchou nas
pesquisas de intenção de voto, figurando até agora em quarto lugar.
Segundo a professora de ciência política da Unirio, Luciana Veiga, as
redes sociais e, sobretudo, o WhatsApp assumiram destaque como
estratégia de campanha.
"Em 2014, o Brasil tinha
20 milhões de usuários de WhatsApp e agora são 120 milhões. Como o
brasileiro entrou na era do smartphone e WhatsApp, a internet se tornou
uma grande ferramenta, explorada principalmente pelos grupos apoiadores
do Bolsonaro", diz.
Mas junto com a transmissão
de propaganda via WhatsApp e redes sociais veio, também, a avalanche de
fake news que, conforme cientistas políticos, alimentaram o peso do
"medo" nessas eleições.
"Essa eleição está toda
pautada pelo medo, dos dois lados. De um lado, há um medo enorme que o
PT volte ao poder e de outro, o medo enorme da agenda do Bolsonaro. As
pessoas estão lidando com a eleição com o fígado", avalia Andrea
Freitas, da Unicamp.
BBC BRASIL
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