Forte desgaste da classe política não afeta a
disposição dos parlamentares de buscar um novo mandato; levantamento do
‘Estado’ indica que índice pode ser recorde.
A classe política vive um momento de forte
desgaste, mas a busca por um novo mandato mobiliza quase 90% da Câmara dos
Deputados. Contrariando uma expectativa por renovação, os partidos
representados na Casa projetam um índice recorde de candidatos à reeleição
neste ano. Levantamento feito pelo Estado revela que ao menos 447 deputados –
nove entre dez – estão dispostos a estender a permanência no Congresso por mais
quatro anos. Outros 18 ainda não se decidiram e 48 afirmam que deixarão a Casa.
Histórico de reeleição na Câmara
Número de deputados que vão concorrer a mais um
mandato na Câmara deve ser o maior da história se confirmada estimativa dos
partidos:
Se confirmadas as projeções dos partidos, a eleição
de outubro terá o maior número de mandatários nas urnas desde a
redemocratização, superando as disputas de 1998 e 2006, quando 443 e 442
deputados, respectivamente, tentaram a reeleição. A diferença é que, desta vez,
as campanhas serão custeadas basicamente com recursos públicos.
Um dos decanos da Casa, o deputado Simão Sessim
(PP-RJ) planeja seu 11.º mandato consecutivo. Alvo de um inquérito da Operação
Lava Jato, arquivado em 2016, o parlamentar diz não se preocupar com a
manutenção do foro privilegiado, mas com a continuidade do trabalho para a
comunidade de Nilópolis, seu reduto eleitoral. “Sou ficha limpa”, disse Sessim,
de 82 anos. “Já passei por muitas tempestades em Brasília, dos anões do
orçamento ao mensalão e agora a Lava Jato. Resisto, passo de geração em
geração.”
Se agora não poderá contar com doações
empresariais, o carioca terá prioridade na divisão dos recursos, assim como os
demais deputados que vão para a reeleição, seja qual for o partido. Pelas
regras atuais, tanto o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, criado ano passado,
como o Fundo Partidário de R$ 888 milhões são divididos de acordo com o número
de parlamentares eleitos por legenda.
A necessidade de se manter as bancadas e, de
preferência, aumentá-las, explica a opção dos partidos em investir mais em quem
já é conhecido ou possui mandato. Mas a necessidade de continuar com o foro
privilegiado, segundo o professor de ciência política da USP, Glauco Peres, é o
que define se o parlamentar vai ou não arriscar outro cargo – em quatro anos de
Lava Jato nenhum deputado foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Isso virou bem importante. Vários deputados vão
tentar se reeleger como forma de garantir que seus processos não avancem”,
afirma Peres. Ele ressalta que, apesar de o Supremo indicar que vai restringir
o alcance do foro a crimes cometidos no exercício do mandato (já há maioria na
Corte), a “ameaça” não é suficiente para desencorajar os parlamentares da
estratégia.
“Os deputados investigados não vão abrir mão disso
(do foro) facilmente. Existe o risco de o STF voltar atrás? Existe. Mas é um
tanto arriscado eles já abrirem mão disso. Que outra chance eles têm?”
Réu na Lava Jato por corrupção, peculato, lavagem
de dinheiro e formação de quadrilha, Aníbal Gomes (DEM-CE) é acusado de receber
R$ 3 milhões oriundos do esquema. Ele nega e diz que sua intenção em continuar
na Câmara em nada tem a ver com o foro. “É indiferente. Aliás, ter foro é até
pior. Quem não tem foro tem três instâncias (para se defender), enquanto nós só
temos uma oportunidade (no STF)”, afirmou o deputado.
Alguns parlamentares vão deixar para a última hora
a decisão sobre qual cargo concorrer. É o caso, por exemplo, do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pré-candidato à Presidência da República. Com
apenas 1% nas pesquisas de intenção de voto, sua candidatura é colocada em
dúvida até por aliados.
A lista de indecisos para renovar o mandato na
Câmara inclui ainda outros 17 parlamentares, que tentam se cacifar para cargos
majoritários – Senado, governo de Estado ou vice. A deputada Christiane Yared
(PR) está em seu primeiro mandato na Casa, mas já é pré-candidata ao Senado do
Paraná. Se não conseguir entrar na disputa, tentará a reeleição.
No PSDB, a vaga para a corrida ao Senado por São
Paulo também está aberta e mobiliza os deputados Mara Gabrilli e Ricardo
Tripoli, que concorrem com o deputado estadual Cauê Macris. Até mesmo Tiririca
(PR-SP), que chegou a anunciar que não tentaria a reeleição, está na lista dos
indecisos. Seu partido, no entanto, afirma contar com os votos dele.
Além de Maia, há ainda dois deputados que pretendem
disputar a Presidência. Vice-líder nas pesquisas de intenção de voto (no
cenário com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), Jair Bolsonaro (PSL-RJ)
deixará a Casa após sete mandatos consecutivos. O novato Cabo Daciolo (PEN-RJ)
também sonha com o Planalto e tem a promessa do partido que receberia Bolsonaro
de ver seu nome na urna.
‘Equivalentes’. Cientista político e professor da
FGV-SP, Cláudio Couto ressalta que um alto índice de troca de mandatários não
significa necessariamente renovação. “Primeiro porque muitos são parlamentares
que retornam à Casa após um interregno; segundo, porque outros são políticos
equivalentes ao que não se reelegeram, numa troca de seis por meia dúzia”, diz.
Para Couto, não serão, portanto, as recandidaturas
em grande número a causa de uma eventual baixa renovação. “Ela tende a não
ocorrer de uma forma ou de outra em decorrência dos critérios de seleção dos
partidos. Se oferecerem mais do mesmo, o eleitor poderá até mudar os nomes, mas
não modificará a essência de sua representação”, afirma.
Se vencer nas urnas, Sessim será o recordista em
mandatos consecutivos a partir de 2019. Para atrair votos, entrou nas redes
sociais. No próximo pleito, porém, já projeta fazer seu sucessor: “Estou
apostando em um neto meu. Acho que ele tem futuro.” / COLABORARAM IGOR MORAES e
FÁBIO LEITE
Três perguntas para...
Murilo de Aragão, cientista político da Arko Advice
1. A o que o sr. atribui esse possível recorde?
Não há uma única razão evidente para isso. Até
porque, nos últimos anos, as circunstâncias políticas transformaram para pior,
o mundo político está muito pressionado. Pode ser uma questão estrutural, que o
movimento hoje favorece ainda mais os políticos tradicionais, os partidos
maiores têm mais recursos. Por outro lado, existe uma vontade de renovação
muito grande por parte da sociedade, a grande dúvida então é se essa taxa de
recondução ao Congresso será alta.
2. O fato de os parlamentares estarem mais pressionados
não pode ser incentivo para reeleição? Manter o foro privilegiado?
Na época do mensalão, eu via muito deputado com
medo do Supremo, do Joaquim Barbosa (ministro relator do processo) e querendo
ir para a primeira instância porque demoraria mais. Agora, tem isso do foro.
Mas todo mundo que entra na política tem também ambição pelo poder, é natural.
3. O que explica os índices de 1998 e 2006 terem
sido altos?
A reeleição do Fernando Henrique Cardoso pode ter
estimulado uma recandidatura, porque ele tinha muito prestígio. Existia uma
ampla base política: PFL (atual DEM), PSDB, PMDB. Eram os grandes protagonistas
do momento. Em 2006, o prestígio de Lula também pode ter ajudado, mas a
campanha foi um pouco melancólica, se comparada com a anterior. Tem que ver os
cenários estaduais também. Se o governador é aliado, se vai concorrer com apoio
dele, tem mais chances de se reeleger. O cálculo da recandidatura não é apenas
submetido ao poder federal, mensalões, petrolões.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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