Via Folha de São Paulo
As rajadas de balas disparadas do Mandalay Bay and Casino, na noite de domingo em Las Vegas —que mataram pelo menos 59 pessoas e feriram pelo menos outras 527— ecoam de maneira quase fantasmagórica a alvorada dos homicídio em massa nos Estados Unidos.
Em 1966, em uma tarde quente de verão no Texas,
Charles Whitman, antigo atirador de elite dos fuzileiros navais
norte-americanos, entrou em um elevador na torre da Universidade do
Texas determinado a causar caos e mortes.
De uma altura de mais de 90 metros, Whitman disparou
contra vítimas em diversos pontos do campus e em suas cercanias —ele
atirou na barriga de uma mulher grávida, no pescoço de seu namorado, e
no rosto de um adolescente.
Dezessete pessoas morreram naquele dia, e mais de 30 saíram feridas.
Como as dezenas de vítimas atacadas a tiros por Stephen Paddock,
do 32º andar do Mandalay Bay, as pessoas que Whitman tomou por alvo
ficaram confusas, e passaram pelo menos 20 minutos indefesas e expostas
aos tiros, enquanto a polícia corria para descobrir de onde estavam
vindo os disparos.
No Texas, pessoas que estavam no local correram a
apanhar suas armas e a disparar de volta, na esperança de impedir ou
desacelerar os disparos de Whitman. A polícia em seguida entrou na torre
e o matou.
"O pessoal que começou a atirar era bom de mira", disse Bill Helmer, aluno de pós-graduação que testemunhou o ataque. "Havia muito chumbo voando na direção dele".
"O pessoal que começou a atirar era bom de mira", disse Bill Helmer, aluno de pós-graduação que testemunhou o ataque. "Havia muito chumbo voando na direção dele".
Quando os tiros começaram, ninguém conseguiu
descobrir de onde estavam vindo os disparos. Professores da universidade
telefonaram para a polícia. As gravações daqueles telefonemas ainda são
assustadoras.
"Alô, quem está falando é Michael Hall, do departamento de história no campus da universidade", dizia uma das ligações.
"Alô, quem está falando é Michael Hall, do departamento de história no campus da universidade", dizia uma das ligações.
"Sim, senhor", o atendente de emergência da polícia respondeu.
"Alguém acaba de disparar um tiro na praça diante do edifício principal, e há pelo menos uma pessoa ferida".
"Vamos enviar um policial imediatamente", o atendente respondeu.
Mais tarde, quando diversas vítimas eram visíveis no chão em torno da torre, a posição do atirador se tornou evidente.
"Alô, aqui é o departamento de inglês da
universidade", disse uma voz ao telefone. "Há alguém atirando, da torre.
Vocês podem enviar policiais imediatamente?"
Neal Spelce, repórter da rádio KTBC em Austin, tinha
30 anos na época e correu para o campus no veículo de transmissão móvel
de sua emissora —uma caminhonete vermelha conhecida como Red Rover.
Ele estacionou o veículo a cerca de 200 metros da
torre. "Parece um campo de batalha", ele disse, ao vivo. "Ouvi um tiro, e
depois mais um tiro, e mais um tiro".
O ataque de Whitman durou 96 minutos, até que policiais conseguiram se aproximar e o mataram a tiros no deque da torre.
"O atirador está morto", reportou Spelce.
Ainda que as vítimas tenham sido homenageadas no
campus no ano passado, no 50º aniversário do massacre, o ataque de
Whitman estava quase esquecido, agora que homicídios em massa se
tornaram um flagelo nos Estados Unidos. Mas seu legado é profundo.
Depois do ataque, diversas forças policiais
norte-americanas criaram unidades com armamento especial para reação
rápida. Surgiu um debate nacional sobre a influência das doenças
psiquiátricas nas ações de responsáveis por homicídios em massa. E o
ritmo dos ataques desse tipo se acelerou.
Grant Duwe, criminologista e autor de "Mass Murder in
the United States", disse que, nos 50 anos anteriores ao ataque de
Whitman, houve 25 homicídios em massa cometidos em lugares públicos,
definidos como homicídios com mais de quatro vítimas fatais, cometidos
em lugares públicos, e sem conexão com transações de drogas, violência
entre gangues ou outras disputas relacionadas a organizações criminosas.
Depois do atentado de Whitman, o número de homicídios em massa já passa de 150, e continua a crescer.
"O ataque na Universidade do Texas em Austin serviu
de prenúncio a uma alta sem precedentes no número de homicídios em massa
em lugares públicos, no último meio século", disse Duwe.
O cômputo agora inclui o ataque de Paddock, 64, em
Las Vegas, que causou pelo menos 50 mortes e ferimentos a pelo menos 400
outras pessoas, e se tornou o mais letal dos casos de homicídio em
massa na história moderna dos Estados Unidos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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