BRASÍLIA - Em meio a um ajuste fiscal que ameaça
paralisar a máquina pública, o governo gasta milhões por ano só para
armazenar documentos em papel. Um levantamento feito pelo Ministério do
Planejamento com 13 ministérios mostra que o gasto para manter salas
inteiras e até galpões alugados para armazenar papéis é de R$ 466
milhões anuais. A quantidade é tão grande que o edifício sede do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em
Brasília, por exemplo, teve que passar por uma reforma estrutural de R$
3,5 milhões para aguentar o peso dos documentos.
O destaque é para o Ministério da Previdência, que
tem um gasto estimado de R$ 242,9 milhões com a manutenção e armazenagem
de documentos. O levantamento mostra que são mais de 1,3 milhão de
metros lineares nesses 13 órgãos, que têm que ser adaptados com armários
especiais e climatizadores para comportar esses volumes. Só em aluguéis
de imóveis para esse fim, o Executivo dispende cerca de R$ 320 milhões
todo ano.
Com a quantidade crescente de papéis, o Tribunal de
Contas da União (TCU) já recomendou ao governo que construa galpões para
o armazenamento, o que implicaria em um custo milionário. No Rio de
Janeiro, por exemplo, o governo federal resiste a construir um galpão
para guardar documentos de órgãos extintos, com previsão de custo de R$
15 milhões.
O Judiciário já tem um programa de digitalização
consolidado. No Executivo, no entanto, pela legislação atual, não é
permitido eliminar documentos físicos, mesmo após digitalizá-los,
segundo explicou ao GLOBO o secretário-executivo do Ministério do
Planejamento, Esteves Colnago.
— Em um momento em que temos um teto de gastos para
cumprir, você continuar alocando recursos para guardar papel soa fora do
tempo, anacrônico — disse.
Projeto de lei na Câmara
As normas em vigor, segundo ele, estão desatualizadas
e ainda trabalham com o processo de microfilmagem, captação de imagens
por processo fotográfico. Augusto Akira Chiba, secretário de Gestão de
Pessoas do Ministério do Planejamento, explica que o processo de
armazenagem de microfilmagens é caro e foi criado em um tempo em que a
digitalização ainda não era considerada completamente confiável:
— Antigamente, não havia muita segurança com a guarda
digital. Hoje, a digitalização é confiável, além de ser mais fácil para
os órgãos trabalharem os documentos, fazerem pesquisas, levantarem
dados.
Um projeto de lei, de autoria do senador Magno Malta
(PR-ES) e que tem o apoio do Executivo, propõe que a norma atual seja
modificada e permita o descarte após a digitalização. O processo deve
respeitar requisitos técnicos e da arquivologia, segundo Colnago.
O projeto, no entanto, está parado na Câmara dos
Deputados após um grupo de arquivistas e historiadores ter se
posicionado de forma contrária ao texto. Na opinião da presidente da
Associação dos Arquivistas de São Paulo, Ana Célia Navarro, parte do
volume de papel que o governo guarda é resultado de má gestão. Segundo
ela, os documentos são classificados atualmente segundo uma tabela de
temporalidade. Alguns podem ser descartados imediatamente, outros têm um
“tempo de guarda” que pode durar várias décadas. Ela estima que, em
média, 10% do total têm de ser guardados permanentemente, entre eles
escrituras de imóveis, contratos e documentação com valor histórico:
— Mas as instituições não fazem um processo de
avaliação. Não fazem gestão correta da documentação e guardam mais
documentos do que os que são necessários. Jogam num depósito, não fazem
nenhum tratamento daquela informação e ocupam um espaço que não é
necessário.
Ana Célia explica que o processo de gestão de
documentação passa por uma comissão que tem de analisar cada documento e
definir o que tem valor e quanto tempo aquilo precisa ser guardado.
Para ela, o projeto ignora esse processo de gestão e faria uma
digitalização irresponsável. A especialista destaca também que o próprio
processo de digitalizar documentos guarda riscos, à medida que há
possibilidade de vírus ou hackeamento e, ainda, de danos no momento da
manipulação dos papéis.
Gestão no momento da digitalização
O diretor-geral substituto do Arquivo Nacional, Diego
Barbosa, explica que, oficialmente, o órgão não é contrário à
digitalização, mas entende que, da forma que está, o texto é frágil e
atropela diversos itens importantes da gestão documental. Ele reforça
que, se o processo de gestão não for implantado no momento de
digitalizar os documentos, o governo só irá transferir custos, à medida
que vai gastar para tornar digital papéis que têm um tempo de guarda
curto e que poderiam ser extintos em poucos anos.
— Entendemos que a digitalização é boa, mas que ela tem que ser pensada junto à gestão de documentos — observou Barbosa.
Colnago, do Ministério do Planejamento, explica que a
intenção do governo é manter todos os documentos históricos e, se o
projeto for aprovado, criar uma força-tarefa para gerir e digitalizar
todo o restante. Isso incluiria, segundo ele, o respeito ao tempo de
guarda dos documentos pelo período necessário após a digitalização:
— Os documentos que não têm valor histórico, desde
que com atesto de que têm igual valor ao papel, poderiam ser
descartados. Seria mantido todo o valor informacional.
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