O ex-presidente de Cuba
Fidel Castro morreu aos 90 anos de idade, informou neste sábado (26) seu irmão,
o atual mandatário do país, Raúl Castro, em um discurso transmitido pela
televisão estatal.
O presidente cubano afirmou que, nas próximas horas, será anunciado como acontecerá o funeral de Fidel Castro, que foi visto pela última vez no último dia 15, quando recebeu em sua residência o presidente do Vietnã, Tran Dai Quang..
90 anos de trajetória
Ao longo de seus 90 anos,
Fidel Castro se transformou em indiscutível e controverso protagonista do
último século. Em 2011, o líder da Revolução Cubana admitiu que nunca pensou
que viveria "tantos anos" e em abril deste ano pareceu se despedir:
"Em breve serei como todos os outros. A vez chega para todos".
Fidel tinha 32 anos quando
entrou triunfante em Havana. Era 1959, usava barba e uniforme e vinha da
derrota de um exército de 80.000 homens contra uma guerrilha que em seu pior
momento contou com 12 homens e sete fuzis. Sem passado militar, Fidel Castro
expulsou do poder o general e ditador Fulgêncio Batista, na luta que começou
com o fracasso da tomada do quartel Moncada, em 1953.
Fidel aplicou uma
"doutrina militar própria" e conseguiu "transformar uma guerrilha
em um poder paralelo, formado por guerrilheiros, organizações clandestinas e
populares", disse Alí Rodríguez, ex-guerrilheiro e atual embaixador
venezuelano em Cuba.
O líder cubano derrotou
conspirações apoiadas pelos EUA e enviou 386.000 concidadãos para lutar em
Angola, Etiópia, Congo, Argélia e Síria. Ao longo de 40 anos (1958-2000)
escapou de 634 tentativas de assassinato, escreveu Fabián Escalante, ex-chefe
de inteligência cubano, segundo o veículo de informação alternativa Cubadebate.
Ao jornalista Ignacio
Ramonet, Fidel confessou que quase sempre carregava uma pistola Browning de 15
tiros. "Oxalá todos morrêssemos de morte natural, não queremos que se
adiante nem um segundo a hora da morte", declarou em 1991.
'Efeito Fidel'
"Fiquei tão impressionada!
Não pude fazer mais que olhar no rosto dele e dizer: te amo". Mercedes
González, uma cubana de 59 anos, só viu de perto por duas vezes o líder cubano,
mas não resistiu ao "efeito" Fidel.
Seja pelo aspecto rude de
guerrilheiro ou seus discursos quilométricos - a maioria espontâneos porque ele
gostava do "nascimento das ideias", segundo Salomón Susi, autor do
Dicionário de Pensamentos de Fidel Castro -, Fidel fascinava também as massas,
as mulheres, os políticos e os artistas.
"Ele projeta uma
imagem pública muito atraente", um dom que também "faz parte de sua
lenda", diz Susi. Já longe do poder, Fidel publicou reflexões sobre
diversos temas. Apesar disso, o grande sedutor mantém a portas fechadas sua
vida privada (dois casamentos e sete filhos com três mulheres é a única coisa
que se conhece).
"A vida privada, na
minha opinião, não deve ser instrumento da publicidade, nem da política",
sentenciou em 1992.
Amado e odiado
"É o homem dos 'E's:
ególatra, egoísta e egocêntrico". Assim Fidel Castro é definido pela
dissidente Martha Beatriz Roque, 71. Quem se opôs, acrescenta, enfrentou uma
tripla resposta: "a prisão, os espancamentos e os protestos de
repúdio".
Fidel desafiou dez
presidentes dos Estados Unidos antes que seu irmão Raúl, que o sucedeu no poder,
decidisse restabelecer relações diplomáticas com seu adversário da Guerra Fria
no fim de 2014, o que Fidel nunca se opôs que acontecesse.
Fidel Castro governou com
mão de ferro, e durante anos (1990 e 2002) a ilha foi condenada
internacionalmente pela situação de direitos humanos a pedido da desaparecida
Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Em 1959, o governo de
fidel condenou a 20 anos de prisão o comandante de Sierra Maestra, Huber Matos,
por insurreição. Na "primavera negra" de 2003 mandou prender 75 dissidentes,
incluindo Martha Beatriz Roque, e nesse mesmo ano foram fuzilados três cubanos
que roubaram uma lancha para fugir dos Estados Unidos.
Fidel sempre negou os
pedidos internacionais para uma abertura política e considerou os opositores
"mercenários". "Eu vou lembrar dele como um ditador", diz
Roque.
Homem que virou mito
Enquanto proclamava o
triunfo da revolução em 1959, várias pombas voaram a seu redor e uma delas
pousou docemente em seu ombro. As pessoas entenderam como um sinal
sobrenatural. O mito marcou a vida de Fidel.
Em um país onde o
cristianismo se mistura aos cultos africanos, os cubanos atribuíram a Fidel a
proteção do orixá Obatalá, o deus pai, o mais poderoso. Viam-no como um homem
inabalável, que tinha solução para tudo, era considerado quase imortal até
adoecer em 2006.
A figura paternal do
"comandante", tão respeitada como temida, é onipresente. Era visto
tanto no meio de um furacão, quanto ensinando a preparar uma pizza. Se
acreditou até que se protegia com um colete à prova de balas. "Tenho um
colete moral, é forte. Esse tem me protegido sempre", disse aos
jornalistas enquanto mostrava o peito durante uma viagem aos Estados Unidos em
1979.
Fidel dizia não apreciar o
culto à personalidade. Não há estátuas, mas sua imagem se multiplica na ilha.
Líder contagiante
Em 2001 Fidel Castro
prometeu que traria de volta seus cinco agentes presos pelos Estados Unidos
três anos antes. "Quando Fidel disse 'voltarão', disse ao povo cubano:
vocês os trarão", disse René González, um dos cinco cubanos libertados por
Washington entre 2011 e 2014. González ilustra assim o poder do
ex-mandatário de contagiar com suas ideias, por mais incríveis que parecessem.
Mas nem sempre o Quixote
caribenho venceu. Após um esforço titânico, não conseguiu, como tinha proposto,
produzir 10 milhões de toneladas de açúcar em 1970. Mas conseguiu que Cuba
derrotasse o analfabetismo em apenas um ano (1961).
Também se propôs a fazer
de Cuba uma "potência médica", quando tinha somente 3.000 médicos no
país. Hoje tem cerca de 88.000 especialistas, um para cada 640 habitantes.
Na ilha, proliferaram os
"planos Fidel", experimentos sem sucesso para criar búfalos, gansos
ou transformar Cuba em produtora de queijos de qualidade, quando ainda tinha um
déficit de vacas.
Também não conseguiu que
os Estados Unidos devolvessem o território de Guantánamo, cedido há um século,
mas conseguiu trazer de volta o menino Elián González, levado clandestinamente
em uma embarcação por sua mãe, que morreu na tentativa de chegar a Miami e cuja
custódia provocou uma queda de braço entre Havana e Washington.
Dez anos longe do poder
Em julho, Fidel Castro
completou 10
anos afastado do poder. No dia 31 de julho de 2006, a emissora oficial
cubana de televisão anunciou que o líder da Revolução delegava provisoriamente
a chefia de Estado a seu irmão, Raúl Castro, após ter passado por uma
complicada cirurgia.
Após dois anos de rumores
e especulações nos quais a saúde de Fidel foi um segredo de governo, Raúl foi
nomeado formalmente presidente do Conselho de Estado em fevereiro de 2008. Um
mês depois de ter chegado ao poder, iniciou as primeiras reformas econômicas.
Foi uma substituição suave
e sem traumas que terminou de se consolidar em 2011, com a escolha do menor dos
Castro como primeiro-secretário do Partido Comunista. Ao longo dessa
década, Cuba deu um giro substancial: sem perder seus ideais revolucionários e
estrutura comunista, o país embarcou em uma série de reformas econômicas
ambiciosas e se reconciliou com seu histórico inimigo, os Estados Unidos.
Raúl, o artífice da
"atualização socialista", empreendeu uma série de ambiciosas reformas
- lentas demais, para muitos -, como abertura de setores à iniciativa privada,
maiores facilidades ao investimento estrangeiro e o fim de restrições que
afetaram os cubanos por décadas, como as viagens ao exterior ou a compra e
venda de carros e casas.
Na Cuba de hoje, cerca de
500 mil pessoas são "cuentapropistas", uma nova classe de
empreendedores, microempresários e trabalhadores autônomos que mudaram o
panorama econômico do país com milhares de pequenos negócios, como
restaurantes, cafeterias, hotéis, ginásios e salões de beleza.
A vida do cubano no
período experimentou uma importante mudança com a reforma migratória de 2013,
que permitiu que milhares de moradores da ilha saíssem do país e, em muitos
casos, reconstruíssem famílias até então fragmentadas durante anos pelo exílio.
A possibilidade de
adquirir um carro, uma casa, entrar em hotéis que antes só admitiam
estrangeiros ou conectar-se à internet - ainda proibido nas casas - também
aliviou parte da pressão no dia a dia.
Contudo, devido aos baixos
salários e às dificuldades vividas por muitas famílias, as reformas não frearam
o êxodo de cubanos, especialmente em direção aos EUA, motivados pelos
benefícios migratórios, como ficou em evidência com a crise provocada no ano
passado pelos emigrantes cubanos que lotaram a América Central.
Sem deixar sua fidelidade
às causas do mundo em desenvolvimento, à esquerda e aos parceiros
"bolivarianos", Raúl Castro construiu uma política externa mais
pragmática e aberta que o aproximou, entre outros, da União Europeia, bloco com
o qual Cuba assinou no ano passado o primeiro acordo de diálogo político e
cooperação.
No entanto, não há dúvida
que a mudança mais radical na Cuba "raulista" foi o descongelamento
das relações diplomáticas com os EUA depois de mais de cinco décadas de tensões
e atritos.
No dia 17 de dezembro de
2014, os presidentes Raúl Castro e Barack Obama anunciaram que Cuba e EUA
restabeleceriam as relações, um giro diplomático que surpreendeu tanto a
comunidade internacional como os próprios cubanos, que receberam a notícia com
otimismo e alegria, apesar de um pouco de cautela.
Desde a data fatídica, o
povo cubano, que espera com ansiedade o fim do embargo que asfixia a econômica do
país, viveu eventos impensáveis quando Fidel deixou o poder: a reabertura da
embaixada americana em Havana e uma visita de um presidente do país inimigo à
ilha em março, algo que não ocorria há 88 anos.
Atraídos por essa imagem
de "ilha proibida", milhares de americanos visitaram Cuba, que em
2015 bateu o recorde de 3,5 milhões de turistas, um "boom" que está
fortalecendo a economia com receitas vitais em moeda estrangeira, mas que
também evidência a frágil infraestrutura do país.
Também chegaram a Cuba empresários
e investidores de todo o mundo para explorar opções de negócios e se adiantar
em relação a seus concorrentes americanos diante de um eventual fim do embargo,
apesar de a entrada de capital estrangeiro na ilha ainda enfrentar obstáculos.
A "nova" Cuba
foi, além disso, palco de eventos impensáveis na época de Fidel, como o
histórico show do The Rolling Stones em março de 2016 ou o desfile da marca
Chanel em uma avenida central de Havana dois meses depois. (Com agências
internacionais)
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