Regras são menos rigorosas
nos sistemas adotados ao redor do mundo, e impacto da crise de 2008 levou a
alterações no regime para evitar que estragos fossem maiores
“Vale a pena destacar
casos positivos da fixação de teto de gastos. Todos os países que adotaram essa
sistemática recuperaram sua economia. A Holanda, por exemplo, adotou limites em
1994, conseguiu reduzir a relação dívida/PIB de 77,7% para 46,8% e enxugou as
despesas com juros de 10,7% para 4,8% do PIB. Ao mesmo tempo o desemprego caiu
de 6,8% para 3,2%.” – Trecho do relatório da PEC 241 na Câmara, de autoria do
deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS)
A fixação de um teto para
os gastos públicos, defendida pelo governo Michel Temer (PMDB) com a Proposta
de Emenda à Constituição 241/2016 (PEC 241), tem sido adotada ao redor do mundo
desde meados dos anos 1990. Pioneira ao aderir a esse tipo de controle, a
Holanda foi usada como exemplo por Darcísio Perondi (PMDB-RS) na Câmara
dos Deputados. O Truco no Congresso – projeto de checagem da Agência Pública, feito em
parceria com o Congresso
em Foco – verificou um trecho do relatório escrito pelo
deputado, que defende a aprovação da iniciativa. O parlamentar citou números
positivos do país europeu, e escreveu ainda que todos os que implantaram a
medida recuperaram a sua economia. Será que as informações usadas por
Perondi estão corretas?
A PEC 241 define um
limite para os gastos do governo federal, que durante 2o anos só será
corrigido pela inflação do ano anterior – se aprovada em 2016, a medida
valerá até 2036. Qualquer mudança nas regras da PEC só poderá ser feita a
partir do décimo ano, e será limitada à alteração do índice de correção anual.
A proposta retira dos
próximos governantes parte da autonomia sobre o orçamento. Isso porque a PEC
241 não permitirá o crescimento das despesas totais do governo acima da
inflação, mesmo se a economia estiver bem. E só será possível aumentar os
investimentos em uma área desde que sejam feitos cortes em outras.
Economistas têm advertido
para os efeitos colaterais que a medida poderá causar, como a redução nos
investimentos em saúde
e educação, a perda
do poder de compra do salário mínimo, entre outros. Ainda assim, a medida
avançou rapidamente e já
passou em primeiro turno no plenário da Câmara, por 366 a 111 votos, no dia
10 de outubro. Se passar pela votação em segundo turno, prevista para esta
terça-feira (25), a
matéria segue para o Senado Federal, que pode aprová-la ainda em 2016.
Perondi afirmou que “todos
os países que adotaram essa sistemática recuperaram a sua
economia”. Um levantamento do
Fundo Monetário Internacional (FMI) que analisou regras fiscais em 89 países
entre 1985 e 2015, consultado pelo Truco, mostra, no entanto, que o
modelo não é igual em todos os lugares. Logo, não é possível falar em uma
mesma “sistemática”.
A Holanda adota um
limite de gastos desde 1994. O teto vale para um período de quatro anos e
inclui quase todas as despesas, como saúde, seguridade social e o pagamento de
juros da dívida pública. A partir de alguns critérios, o governo faz uma
previsão – em geral, depois de negociar com os partidos da base de apoio – que
ele mesmo terá de cumprir. São permitidos aumentos nos gastos após a previsão
inicial, desde que seja comprovada a existência de recursos.
Diferentemente da PEC 241,
o modelo holandês impõe um limite também ao pagamento de juros da dívida
pública. Isso deixou de acontecer entre 2007 e 2010, quando esse tipo de
despesa foi excluída do teto. A crise econômica de 2008 levou ainda à
exclusão, no teto, de certos benefícios e programas de assistência social e
desemprego, entre 2009 e 2010. Mudanças como essas, para reagir a pressões
econômicas internas e externas, não serão possíveis durante a vigência da PEC
241, caso ela seja aprovada sem alterações.
As regras de limitação
para gastos foram adotadas de forma pioneira também na Suécia e Finlândia.
Assim como ocorre na Holanda, o regime usado nos dois países tem
diferenças em relação à PEC 241. Em 1997, a Suécia criou um rígido sistema de
teto de gastos, que não permite alterações nos limites estabelecidos, mas
válidos por três anos – não por 20, como quer Temer.
Na Finlândia, após mais de
uma década tentando implementar um limite anual de gastos, o país
estabeleceu um teto válido por quatro anos, em 2003. O governo seguinte manteve
o regime, introduzindo alterações para torná-lo mais flexível. As limitações
para o crescimento das despesas atingem hoje cerca de 75% das despesas federais
finlandesas. Suécia e Finlândia não impõem valores máximos para os gastos
com juros da dívida – o que também ocorre na PEC 241.
Também pioneira no
teto, a Dinamarca limitou o crescimento real (acima da inflação) dos gastos a
0,5% ao ano, em 1994. O índice foi elevado para 1% entre 2002 e 2005. Após
alterações nos anos seguintes, entrou em vigor, em 2014, uma lei que determina
limites estabelecidos pelo parlamento a cada quatro anos e que vale para
estados e municípios, além do governo federal.
A União Europeia adota uma
regra com metas específicas por país, mas que, em geral, limita o aumento das
despesas ao mesmo porcentual previsto para o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) em médio prazo. Além de excluir dos limites os gastos com benefícios
para desempregados, a regra permite um aumento mais veloz das despesas, desde
que amparado por um crescimento de receitas.
No Japão, as metas de
gastos estabelecidas em 2006 deveriam ser seguidas por cinco anos, mas foram
abandonadas em 2009, devido à crise econômica. Desde 2011, o país passou a
proibir qualquer aumento nos gastos federais de um ano para o outro,
com exceção daqueles relacionados ao pagamento da dívida pública – que
preocupa por já ter ultrapassou duas vezes o valor do PIB.
O Kosovo limitou o aumento
dos gastos, em 2006, a 0,5% ao ano em termos reais (acima da inflação). A
medida foi descumprida e teve a abrangência reduzida, em 2009, passando a valer
somente para os municípios. A Bulgária também passou por problemas com os
limites estabelecidos em 2006, que não permitiam que as despesas excedessem 40%
do PIB. Após furar a meta, a regra foi suspensa em 2009 e voltou a vigorar em
2012, não mais como um acordo político, mas com força de lei.
Na maior parte dos países,
a regulação dos gastos é feita por meio de leis ordinárias ou de acordos
políticos, como é o caso holandês. Os únicos a terem os modelos incluídos na
Constituição, como defende o governo Temer, são Dinamarca, Georgia e
Singapura.
Ou seja, a PEC 241 não
repete o regime adotado por nenhuma outra nação, tendo como principais
diferenças o longo prazo (20 anos), a correção do teto de gastos apenas pela
inflação e a inclusão da norma na Constituição.
Todos os países
recuperaram a economia?
Perondi exagerou ao
dizer que “todos os países que adotaram essa sistemática recuperaram a sua
economia”. Em alguns casos, o teto foi desrespeitado ou precisou ser
modificado – o que será bem difícil de acontecer na proposta brasileira. Também
distorceu dados ao citar os números sobre a economia da Holanda: “A Holanda,
por exemplo, adotou limites em 1994, conseguiu reduzir a relação dívida/PIB de
77,7% para 46,8% e enxugou as despesas com juros de 10,7% para 4,8% do PIB. Ao
mesmo tempo o desemprego caiu de 6,8% para 3,2%.”
Segundo a assessoria de
Perondi, as informações sobre a Holanda foram retiradas da apresentação de Murilo Portugal, presidente da Federação
Brasileira de Bancos (Febraban), em audiência na Comissão Especial da PEC 241. Ao
contrário do relatório do deputado, o texto de Portugal deixa claro que os
dados sobre a Holanda são relativos ao período 1994-2007. O problema é que há
dados mais recentes, que mostram um cenário distinto.
A Holanda teve bons
resultados na economia no período entre 1994 e 2007, mas o teto de
gastos não a protegeu da crise financeira de 2008. O cenário negativo
levou a alterações temporárias no sistema, na tentativa de evitar que os
estragos fossem ainda piores. Suécia e Finlândia também sentiram o impacto e
tiveram uma piora nos indicadores. Não será possível fazer ajustes de curto
prazo se a PEC 241 for aprovada com o texto atual.
Embora tenha recuperado a
economia entre 1994 e 2007, como apontou o deputado Perondi, a Holanda sofreu
os impactos da crise de 2008, que reverteu a recuperação de indicadores
econômicos e expôs limitações do sistema de teto de gastos. Se, por um lado, os
anos recentes representam um dos piores cenários da economia mundial nas
últimas décadas, o que justifica em parte a piora do quadro holandês, por outro
lado houve flexibilidade do modelo de limite de despesas, que foi alterado para
cruzar a crise.
A proporção entre a dívida
e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu na Holanda, na Suécia e na Finlândia em um
primeiro momento, mas não parou de subir depois da crise de 2008. Segundo dados do
Fundo Monetário Internacional (FMI), na Holanda, o indicador diminuiu de 71,7%,
em 1995, para 42,6%, em 2007. Com a crise econômica, no entanto, o índice
subiu até alcançar 68,3%, em 2014. A dívida finlandesa equivalia a 42,7%
do PIB, em 2003, e foi reduzida gradualmente até 32,5%, em 2008. Com a crise,
cresceu sucessivamente até atingir 55,7% em 2013. Na Suécia, o porcentual
devido em relação ao PIB era de 70,2% em 1996. Passou para 36,7%, em 2008,
e após oscilações chegou a 2012 com 36,4%.
Embora ligeiramente
diferentes daqueles compilados pelo FMI, os dados do
Banco Mundial para as relações entre déficit e PIB da Holanda e da Finlândia
apresentam as mesmas tendências de recuperação pré-crise e deterioração
pós-2008. As informações do banco sobre a Suécia, disponíveis apenas a
partir de 2010, mostram oscilações até 2013 na casa dos 42% – ou seja, não
houve mais queda significativa após a crise.
O índice de desemprego
seguiu uma tendência semelhante. Na Holanda, caiu de 7,2%, em 1994, para
2,8%, em 2008. Por conta da crise, o
porcentual mais que dobrou, atingindo 6,9%, em 2014. Na Finlândia, o
desemprego caiu entre 2003 (9%) e 2008 (6,3%), mas subiu para 8,6% em
2014. A Suécia atingiu 8,7% em 2010, o maior índice de desemprego desde 1998
(8,5%), chegando a 2014 com 8%.
Dos indicadores citados
por Perondi, o único cuja trajetória de queda não foi revertida após 2008
foi o pagamento de juros da dívida em relação às receitas. Em 1994, a Holanda
destinava 9,9% das receitas para esse tipo de despesa. Após forte
redução, o
índice se estabilizou em torno de 4,4% entre 2006 e 2008. A crise
promoveu uma leve alta no parâmetro em 2009 (4,7%), mas a trajetória de queda
logo foi retomada, e o menor valor da série foi alcançado em 2014, com 3,4%.
Suécia e Finlândia seguiram padrões parecidos, com poucos impactos da crise
neste indicador.
Embora tenha sido
precedida por grandes dificuldades financeiras, a entrada em vigor do teto na
Suécia e na Finlândia não teve como objetivo recuperar o controle fiscal, mas
mantê-lo, segundo estudo do
Fundo Monetário Internacional (FMI) publicado em 2008. “Interessante notar que
os limites máximos de despesas foram introduzidos após a consolidação, e não
como parte do esforço para reduzir as despesas. Os limites máximos foram usados
para manter a estabilidade, e não para criá-la”, diz o artigo.
O trecho do relatório da
PEC 241 analisado nesta checagem está, portanto, equivocado. Chamar
de “essa sistemática” tanto a proposta brasileira quanto o modelo holandês e de
outros países é um exagero, já que as regras são vigentes por uma quantidade
diferente de anos, em cada caso – contra 20 anos no Brasil –, e podem incluir
ou excluir certos gastos, de acordo com o desempenho da economia – o que não
será permitido com a PEC 241. Ao omitir essas diferenças, Darcísio Perondi
distorceu fatos importantes e, por isso, o Truco no Congresso classifica a
fala do parlamentar com a carta “Não é bem assim”.
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