Presidente da Riachuelo - uma das maiores redes do varejo
brasileiro - Flávio Rocha defende que o empresariado do país precisa "sair
da toca" sobre suas posições políticas para garantir uma guinada liberal
no Brasil - caminho que, na sua avaliação, poderia tirar o país da crise.
Rocha foi um dos primeiros empresários
brasileiros a se posicionar abertamente a favor da saída de Dilma Rousseff da
Presidência e diz acreditar que, nesse caso, haveria uma rápida retomada dos
investimentos na economia real. “Seria instantâneo”, defende. “É o que está
acontecendo na Argentina. Não precisou de dez dias para a criação de um círculo
virtuoso.” Otimista sobre um
eventual governo Michel Temer, o empresário se recusa a comentar a
possibilidade do vice-presidente também ser “derrubado” pela Operação Lava
Jato. “Cada agonia em sua hora”, diz. Defensor de um Estado mínimo, ele
acredita que o eleitor brasileiro está cansado do que define como as propostas
“de inspiração estatizante ou ligadas a social-democracia” dos partidos
tradicionais e está preparado para um projeto pró-livre mercado: “(Hoje) temos
trinta e tantos partidos, mas nosso cenário político é mais ou menos como
aquele livro: cinquenta tons de vermelho e cor-de-rosa”.
Confira abaixo a entrevista que ele
concedeu a BBC Brasil sobre a crise política:
BBC Brasil - O senhor tem se posicionado a favor do impeachment, mas mesmo se
o afastamento da presidente for aprovado, há incógnitas sobre a estabilidade de
futuros arranjos políticos. Não é arriscado assumir uma posição nesse cenário
incerto?
Flávio Rocha – Acho que estamos em uma troca de ciclos
que implicará em uma mudança no papel do Estado no Brasil. Encerramos um triste
ciclo de mais uma tentativa de usar o Estado como indutor do desenvolvimento,
que no mundo todo só gerou empobrecimento e desemprego. E há condições para uma
virada de página em direção a um modelo pautado pelo binômio democracia e livre
mercado, que é como se consegue a prosperidade.
O eleitor brasileiro está mais maduro, o
que favorece a virada. Está deixando de ser um eleitor súdito para ser um
eleitor cidadão, que vê o Estado mais ou menos como sua operadora de telefonia
ou TV a cabo: um prestador de serviço do qual deve ser cobrado eficiência e
baixo custo. Esse será o estopim da mudança, que pode acabar com esse Estado
gigantesco, hipertrofiado, um Estado de 40% do PIB que existe para garantir os
seus próprios privilégios.
O novo ciclo será
marcado pela busca do Estado prestador de serviço e eficiente.
Mas esse novo modelo pressupõe um
empresariado mais protagonista. Os que investem e dão empregos serão uma
liderança necessária nesse processo. Quando eu me posicionei, há algum tempo,
realmente pouquíssimos empresários tinham se manifestado. Mas vejo com muita
alegria cada vez mais lideranças empresariais conscientes de seu novo papel
“saindo da toca”.
BBC
Brasil - Temer foi citado pela Lava Jato. O presidente da Câmara e do
Senado também são investigados. Até que ponto um impeachment de Dilma é o fim
da crise?
Rocha - O impeachment vai significar o fim desse
ciclo que eu acabei de mencionar. Temer tem grande habilidade política e seria
capaz de dar um propósito (ao governo) e criar homogeneidade de ação no
Congresso. O PMDB tem um plano de governo que acredito ser a síntese das
medidas mais urgentes para o Brasil hoje – o Ponte para o Futuro. Tenho a
impressão de que, com o compromisso de não ser candidato a reeleição, Temer vai
fazer do seu grande projeto de vida colocar em prática essas medidas e garantir
a transição. Seria um legado excepcional para o próximo presidente.
BBC Brasil - Mas há a incógnita da Lava Jato. E se o escândalo derrubar Temer?
Rocha - Cada agonia na sua hora. O fundamental
agora é reconhecer que o pior cenário seriam três anos com o transatlântico à
deriva. O atual governo não tem condições de liderar o processo de reconstrução
nacional. Uma virada de página seria um alento, uma esperança.
Mas devemos lembrar quão terrível foi
aquele período da história argentina em que havia uma troca intensa na Casa
Rosada. No domingo almocei com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ele
me disse que teve uma semana em que ligou três vezes para a Argentina para dar
os parabéns ao novo presidente. Esse seria um cenário bastante aterrador
também.
BBC Brasil - Um eventual governo Temer teria incentivos para fazer um ajuste
fiscal duro, como defendem os mercados, em ano de eleição?
Rocha - O Ponte para o Futuro explicita isso e
acho que ajuda o fato de não haver a tentação eleitoral. Como disse, a grande
motivação dele deve ser entrar para a história tirando o Brasil do atoleiro,
assumindo as medidas amargas que o momento precisa.
BBC
Brasil - Segundo institutos de
pesquisas, se houvesse eleições hoje, a vencedora seria Marina Silva. Como o
senhor vê isso?
Rocha - Não vejo a Marina comprometida ou
personificando esse novo desenho de Estado sobre o qual falei. Acho que existe
ainda um “recall” muito forte da exposição e performance que ela teve na
campanha presidencial. E um desgaste de outros candidatos pelas citações na
Lava Jato.
BBC Brasil - O mercado financeiro parece animado com a possibilidade de uma
saída da atual presidente. Como empresário do varejo, que efeito acha que isso
teria nos investimentos na economia real?
Rocha - Seria instantâneo. Bastaria uma troca
da sinalização. É o que está acontecendo na Argentina. Não precisou de dez dias
para a criação de um círculo virtuoso. A partir do momento que você sinaliza
que está entrando em campo um governo que entende as delicadas engrenagens do
livre mercado e vai colocar a sua sabedoria a favor do desenvolvimento, o fluxo
de investimentos se reestabelece e a confiança desabrocha.
BBC
Brasil – Como assim? Basta a presidente
sair que os empresários voltam a investir? O senhor vai abrir mais lojas se a
Dilma cair?
Rocha - Não. Acho que a gente volta ao patamar
anterior de crescimento. Quebramos nosso recorde de investimentos no ano
passado. Mas tiramos o pé do acelerador Agora a ordem é proteger o caixa,
porque a gente não sabe por quanto tempo vai ter de prender a respiração nessa
travessia. Mas acho que encerrado esse capítulo e iniciado o novo ciclo, o
Brasil vai “bombar” de novo. Só pode ser pessimista com o Brasil quem está
olhando o curto prazo e toda essa sucessão de equívocos. O próximo ciclo vai
ser de um pais normal de livre mercado.
BBC Brasil – A crise política é o principal entrave ao crescimento?
Rocha - A crise política é a consequência. O
problema é a falta de projeto. Como o governo vai exigir sacrifício e união do Congresso
se dentro do Planalto não há consenso sobre o que fazer. Há até ministro contra
a reforma da Previdência.
Qual o projeto de país desse governo? É
difícil saber. Talvez até porque isso seja inconfessável, uma coisa
ideologizada. Na falta de um sonho para ser construído, fica todo mundo olhando
para o próprio umbigo e defendendo o seu.
BBC Brasil - Há quem veja a possibilidade de um ‘cenário italiano’ precipitado
pela Lava Jato, no qual um líder populista ou outsider surgiria do colapso dos
partidos tradicionais (na Itália, Sílvio Berlusconi assumiu após a Operação
Mãos Limpas). Como vê isso?
Rocha – O vácuo que existe na nossa política é
de um partido que assuma o ideário de um desenvolvimento via livre-mercado.
Temos trinta e tantos partidos, mas nosso cenário político é mais ou menos como
aquele livro: cinquenta tons de vermelho e cor-de-rosa. São todos partidos de
inspiração estatizante ou ligados a social democracia.
Apenas mais recentemente surgiu o
Partido Novo, o primeiro com compromisso com o ideário liberal. Eu tenho a
convicção que é esse o caminho para a prosperidade e vejo essa demanda também
nos eleitores.
BBC Brasil - Para o senhor, o eleitor brasileiro está cansado da
social-democracia?
Rocha - Exato. Acho que o brasileiro se cansou
dessa experiência socializante. Nós competimos com países que têm Estados de
12%, 15%, 17% do PIB. Aqui, depois da constituinte era 22%. Hoje temos 37% de
carga tributária, com mais 10% de déficit publico.
E o que é social-democracia? Na Rússia,
na Revolução de 1917, existiam os bolcheviques que queriam o socialismo pela
via violenta e os mencheviques, que queriam pela via democrática. Os primeiros
prevaleceram e tomaram o poder pela força e os últimos deram origem a
social-democracia. Mas eles queriam a mesma coisa.
O socialismo fracassou em todas as
ocasiões em que foi testado. Mas, como disse o Gustavo Franco (ex-presidente do
Banco Central), é como o vampiro da meia-noite: ressuscita quando menos se
espera, com outras roupagens. Há alguns anos ressurgiu na América Latina
travestido de socialismo bolivariano e fez esse estrago no continente.
BBC
Brasil - Há uma social-democracia forte
na Europa, com relativo sucesso.
Rocha - Muita gente cita os países
escandinavos como social-democracia. São países que foram muito prósperos
enquanto eram capitalistas, se transformaram em social-democracia e estagnaram.
É o capitalismo democrático que gera prosperidade porque liberta o espírito
gerador de riqueza natural do ser humano.
BBC Brasil - A crise de 2008 não mostrou que o mercado com muito poder e pouca
regulação também pode trazer problemas?
Rocha - Não defendo o Estado inexistente.
Defendo o Estado mínimo, com uma atuação na regulação mínima. O mercado é como
um cão farejador, que tem um faro mais apurado que o do ser humano. O bom
caçador usa isso para encontrar seu caminho, mas não é o cachorro quem manda.
BBC
Brasil - E a corrupção no setor privado?
A própria Lava Jato revelou que também há empresários corruptos.
Rocha - Tem empresários e empresários. Não
confunda Flávio Rocha, um empresário de mercado que acorda de manhã e calcula
como produzir um vestido ao melhor custo para a dona Maria, com o empresário
que acorda e se pergunta para quem tem de dar propina para conseguir uma obra
pública ou fazer uma plataforma de petróleo superfaturada. São duas coisas
diferentes: o empresário de mercado e o empresário de conluio, que é o câncer
desse estado hipertrofiado. Um fator de aumento da corrupção do Estado já tão
corrompido.
A livre concorrência ajuda a acabar com
a corrupção. Por exemplo, se eu tiver na Riachuelo um comprador de gravatas
corrupto que tenha feito um acerto com o fornecedor, a gravata será mais cara e
a Riachuelo vai perder participação no mercado. Isso não acontece na Petrobras.
BBC
Brasil - O senhor defende que papel para
o Estado?
Rocha - Um país como o nosso precisa de um
Estado de 20% a 25% do PIB. Na última década, 18 pontos percentuais de economia
informal se formalizou no Brasil. Isso ajudou a elevar a produtividade desses
setores, mas também houve um repasse maior de dinheiro para o setor mais
ineficiente do pais - o estatal. Se lá atrás tivéssemos colocado um freio na
participação do Estado no PIB e aproveitado essa maior receita para reduzir as
alíquotas (de impostos) não tenho dúvidas que a China seria aqui. Estaríamos
crescendo.
BBC Brasil – De onde cortar nos gastos públicos?
Rocha - Por exemplo, no meu estado, o Rio
Grande do Norte, o grande escândalo agora é que há quase 3 mil funcionários
(públicos) fantasmas, com salários que chegam a R$ 60 mil. Isso quebra
definitivamente a crença de alguns de que o Estado seria um Robin Hood que pega
dos ricos para distribuir aos pobres. É o Robin Hood às avessas. Tira de uma
população extremamente pobre, como a do Rio Grande do Norte, para alimentar
marajás.
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