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A Penitenciária Estadual de
Alcaçuz atingiu ontem sua maioridade. Inaugurado em 26 de março de 1998, o
maior estabelecimento prisional do Rio Grande do Norte foi aberto com a
proposta de reestruturar o sistema penitenciário, com o foco na humanização.
Dezoito anos depois, sofre com problemas estruturais que atrapalham o seu funcionamento
pleno, enquanto o Estado tenta arrumar medidas para tentar resolver a situação.
Superlotada, a cadeia que tem
capacidade oficial de 600 presos, de acordo com a Secretaria de Justiça e
Cidadania (Sejuc), abriga atualmente 1.086. Para dar conta deles, 50
agentes, ainda segundo a Sejuc, se revesam em escalas. A quantidade é
considerada insuficiente pelo sindicato da categoria. “Não temos culpa do
caos”, defende Vilma Batista, presidente do sindicato.
O resultado disso são as
recorrentes fugas e mortes que vêm acontecendo dentro da unidade. Os dados da
Secretaria apontam para três episódios de fuga em 2016. Ao todo, somadas essas
três ocorrências, 30 homens ganharam as ruas ilegalmente neste ano.
Em 1998, a unidade foi
anunciada pelo governo de Garibaldi Alves Filho como solução para acabar
com os problemas gerados pela Penitenciária Central Doutor João Chaves,
conhecida como o “Caldeirão do Diabo”. Passado todo esse tempo, Alcaçuz se
tornou o epicentro da crise no sistema carcerário.
A construção inicial, segundo
o que foi à época divulgado, custou R$ 10 milhões aos cofres públicos. Quatro
meses depois de inaugurada, a penitenciária já registrou a primeira fuga. Um
detento considerado de confiança saiu pela porta da frente, sem ser notado.
Naquele momento os túneis, que hoje são rotineiramente encontrados sob as
celas, ainda não era comuns.
De cordo com Igor Pípolo,
primeiro diretor de Alcaçuz, cargo que exerceu por aproximadamente 1 ano e 10
meses, durante sua gestão houve mais quatro ou cinco casos semelhantes. Na
maioria das vezes, os presidiários chegavam à rua pulando os muros. “Não se
ouvia falar em ninguém cavar nada”, diz. Entretanto o período foi calmo no que
diz respeito a rebeliões. Não houve qualquer registro.
Dois anos depois de abrir os
portões, Alcaçuz assistiu a uma das fugas que marcaram a história do sistema
penitenciário potiguar. O assaltante de bancos Valdetário Carneiros foi
resgatado por seu bando. Os homens chegaram em carros com armas de grosso
calibre, inclusive uma metralhadora ponto 50, usada pelo Exército, e
conseguiram tirar Valdetário da unidade à força, atacando as guaritas.
Além dele, outros 28 apenados
conseguiram fugir, no que se caracterizou na época como a maior fuga da
história. O número foi batido em 2012, na evasão em massa que colocou 41
detentos na rua.
Os primeiros túneis começaram
a ser descobertos pelos agentes penitenciários ainda no início dos anos 2000.
Atualmente, a Sejuc convive
com uma realidade de uma unidade prisional que está acima de um complexo de
caminhos subterrâneos cavados pelos presidiários, que há anos permitem diversas
fugas.
A penitenciária construída
para ser solução ao caótico do sistema penal passou a ser um dos motivos de dor
de cabeça para o Executivo, que, em meio à crise orçamentária, busca encontrar
maneiras para providenciar melhorias.
Providências
Dentro da crise do sistema
prisional, que teve seu ápice em março de 2015, quando facções organizadas
lideraram rebeliões em várias unidades, a Penitenciária de Alcaçuz se destaca.
Os problemas gerados por essa instabilidade se estendem aos demais
estabelecimentos carcerários, porém Alcaçuz ganha evidência por ser o
maior.
“A maior dificuldade, sem
sombra de dúvidas é a superlotação. A superlotação aliada a uma estrutura
extremamente precária é a combinação perfeita para essas fugas que acontecem”,
resumiu o titular da Sejuc, Cristiano Feitosa.
Quando fala de estrutura,
Feitosa se refere à maneira como foi construída a unidade penal. O secretário
defende que as edificações são frágeis e o solo de areia que fica abaixo da
penitenciária facilita o trabalho dos detentos que se propõem a cavar os
túneis. “Não existe nada daquele jeito no Brasil todo”, comenta.
Segundo ele, há ainda um
terceiro fator que contribui para a crise no sistema: a ociosidade dos
detentos. Como não existem muitos projetos de ressocialização dentro das
penitenciárias, inclusive em Alcaçuz, os presidiários passam seus dias a fazer
nada enquanto cumprem a pena, o que contribui para o aumento dos planos de
fuga. “Se fosse uma estrutura pelo menos segura, a situação ainda estaria
péssima para eles, mas teria como conter”, afirma Feitosa.
Neste aspecto, o secretário
afirma que o Executivo tem tentado angariar recursos junto ao Governo Federal
para aumentar o número de vagas do sistema, o que serviria para desafogar
também as celas da Penitenciária de Alcaçuz. No entanto tem havido dificuldade
com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) para conseguir o dinheiro
para a construção de novos presídios. “Dizem que não temos projetos de
ressocialização. Como vamos desenvolver um projeto de ressocialização em uma
unidade completamente superlotada? Primeiro é preciso ter espaço para eles e
depois trabalhar para ressocializar. Concordo plenamente que tem que ter os
projetos, mas precisamos ter onde colocar os presos primeiro”, desabafa
Feitosa.
A unidade, quando projetada,
tinha capacidade para encarcerar 400 homens. De acordo com Feitosa, um decreto
publicado em 2013, 15 anos depois da inauguração, ampliou as para 600 o número
de vagas. Segundo o secretário, não foi feita qualquer reforma que justificasse
a ampliação.
“Eles (Governo Federal)
seguram recursos que existem e isso para mim é um ato de crueldade, não só com
os estados, mas com os internos. Eles se dizem tão preocupados com a
humanização, mas não liberam o dinheiro”.
PROJETO ORIGINAL NÃO FOI
EXECUTADO
O maior alvo de críticas entre
o Executivo e os especialistas para o problema das fugas na Penitenciária de
Alcaçuz é o projeto arquitetônico da unidade.
O projeto é resultado de uma
monografia de duas arquitetas, então graduandas do curso de Arquitetura da
UFRN. Lavínia Negreiros e Rosanne Azevedo de Albuquerque concluíram a graduação
em 1988 e apresentaram como trabalho de conclusão a planta de uma
penitenciária.
Rosanne Albuquerque, que
atualmente é professora universitária, conta que a dupla realizou vasta
pesquisa, chegando a ir a Brasília para visitar uma unidade penal e participar
de uma reunião com representantes de vários estados brasileiros, que
apresentaram as dificuldades dos presídios de cada unidade.
As duas também fizeram
diversas entrevistas com os detentos que estavam encarcerados na João Chaves,
para saber de seus anseios e poder montar uma estrutura que fosse beneficiar o
Estado e os apenados. “Eles nos diziam que não acreditavam que o projeto seria
posto em prática”, recorda. Depois das pesquisas, as duas arquitetas, ainda de
acordo com Rosanne Albuquerque, então definiram um padrão para a penitenciária.
A unidade seria construída em
Macaíba, em um terreno privado que as duas encontraram naquele município.
“Macaíba naquela época era uma cidade em desenvolvimento, mas que já tinha uma
estrutura de transporte que facilitaria o acesso dos familiares”.
Além disso, ela explica que
houve uma preocupação em não utilizar um terreno dunar, como o do lugar onde
hoje funciona Alcaçuz. “Pois ele é mais fácil de escavar e há uma série de
preocupações estruturais para que se torne seguro”, justifica.
Rosanne conta que uma das
reclamações mais recorrentes entre os detento da João Chaves dizia respeito às
irregularidades processuais geradas pela falta de estrutura.
Segundo ela, muitos desses
homens permaneciam presos mesmo já tendo direito de estar em liberdade, muitas vezes
por não poderem comparecer às audiências porque o Executivo não dispunha de
viatura para conduzi-los. Os representantes do Judiciário também não tinham
como atendê-los dentro da João Chaves, pois não havia local apropriado para
isso. “Então projetamos a penitenciária com um lugar especificamente para as
audiências”.
O famigerado piso da
penitenciária, recorrentemente criticado pela facilidade com que os
presidiários o perfuram, também não foi projetado da mesma maneira da execução.
Segundo Rosanne Albuquerque, o
chão tinha uma camada espessa de concreto, depois outra de grades de ferro e
mais uma de concreto.
A ressocialização dos presos
também foi preocupação das arquitetas. Rosanne relata que, por exemplo, o
projeto previa setor de triagem. Havia setores destinados a detentos que
aguardavam julgamento, para os que possuíam nível superior de ensino. Nas
carceragens, os presidiários seriam divididos por tipificação de crime.“Mas
eles não passariam o dia sem fazer nada”, destacou.
Os arquitetos, através das
entrevistas, identificaram que boa parte da população carcerária masculina
tinha profissões urbanas: pedreiros, marceneiros, etc. Elas projetaram então um
outro setor, destinado ao desenvolvimento da prática profissional. Foi
planejada uma cozinha pela qual os presos também eram os responsáveis. Eles
produziriam a comida que seria consumida na própria penitenciária e também
seria destinada a outras células do Executivo, como as escolas e creches.
Haveria ainda uma escola, para
dar aulas aos apenados, onde os analfabetos seriam alfabetizados e dar cursos e
oficinas profissionalizantes. Rosanne e Lavínia pensaram também em uma unidade
de saúde dentro do presídio, para atender às demandas internas.
Durante as pesquisas, as
arquitetas observaram como eram as visitas íntimas dos presos. “Era outra
reclamação deles. Eles tinham que colocar lençol na frente das celas para se
encontrarem com as companheiras”, lembra.
Para suprir essa necessidade,
foi projetado um espaço dentro da cadeia destinado ao lazer. Serviria tanto de
encontro com as famílias e cultos religiosos, quanto para os encontros íntimos.
Tudo com local adequado e pré-determinado. “Teria vários setores em que eles
passariam boa parte do dia ocupados”, afirma Rosanne Albuquerque.
O nome escolhido para o
estabelecimento era “Penitenciária de Manutenção”, segundo Rosanne, porque
seria uma unidade que conseguia se manter com trabalho dos internos.
De acordo com ela, cada cela
deveria ter, no máximo, cinco presos, atingindo um total de 500 homens. Depois
das grades havia ainda um reforço que dificultava uma possível tentativa de
fuga cerrando o ferro.
Para os presos conseguirem
chegar à entrada central, ela conta, precisariam percorrer um grande espaço e
pular um muro que possuía uma proteção em de cerca laminada em sua extremidade.
No total, foram projetados 11 mil m² de área construída. A direção da SEJUC,
entretanto, informa que a unidade tem hoje 5,9 mil quadrados de área
construída.
“Quando terminamos o projeto,
muita gente nos criticou justamente por motivo contrário ao que está
acontecendo. Diziam que a gente tinha projetado um hotel para preso e que eles
não mereciam”, recorda.
GOVERNO GOSTOU DO PROJETO
Na banca examinadora do TCC de
Rosanne e Lavínia havia um arquiteto ligado ao Executivo Estadual que estava
analisando projetos para a construção de um presídio, em 1988.
Naquele ano já se havia
chegado à constatação de que a Doutor João Chaves não tinha mais condições de
abrigar detentos. Superlotada e com estrutura defasada, a unidade não conseguia
mais dar conta da demanda.
Rosanne Albuquerque lembra que
o Governo analisou outros projetos e acabou escolhendo o que ela desenvolveu
com Lavínia Negreiros.
De pronto, a primeira
modificação foi o terreno. Segundo Rosanne Albuquerque, a lei obrigava que o
presídio fosse erguido em terreno de propriedade do Estado, que não
apresentasse dispêndio de recursos para a aquisição. “Eles tinham aquele
terreno em Alcaçuz e então levaram para lá”.
A partir dali, foi iniciada
uma licitação para escolha da empresa que iria executar a obra, porém a
penitenciária só foi concluída 10 anos depois.
Rosanne conta que ela e a
colega de curso e de profissão só acompanharam os primeiros dias das
construções. Depois o Governo as informou que não necessitava mais de sua
presença.
Desde então, as arquitetas
nunca foram chamadas por nenhuma das gestões que se seguiram à frente do
Executivo para discutir os problemas que aconteceram na construção. “Nunca no
pediram ajuda”.
De acordo com o relato de
Rosanne Albuquerque, o projeto idealizado pelas duas não foi executado em sua
totalidade e o sonho de tornar o sistema penitenciário mais humano e eficiente
não saiu do papel. “É impressionante como os problemas são os mesmos. São os
mesmos que víamos no Caldeirão do Diabo”, lamenta Rosanne.
CÂMERAS E REORDENAÇÃO INTERNA
O ex-diretor Igor Pípolo,
atual diretor institucional do Departamento de Segurança da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e especialista na área, defende que o
solo arenoso sob a penitenciária que permitiriam o fácil acesso dos presos aos
túneis não é a questão mais relevante.
Para Pípolo, é preciso atentar
para o material que é utilizado para as escavações. “Se eles cavam, é porque
têm ferramentas. É preciso fiscalizar isso com mais revistas, adotar
procedimentos e um videomonitoramento. Não dá para manter a segurança de uma
unidade prisional só com as celas”, defende, alegando que chegava a realizar
até cinco revistas por dia quando diretor.
Cristiano Feitosa disse ao
NOVO que a Sejuc está em fase de análises de projetos para a aquisição de
câmeras filmadoras para serem instaladas nas dependências da penitenciária.
“Duas empresas vão apresentar
sugestões do que pode ser feito para Alcaçuz. A partir desses sugestões a gente
vai formar um projeto final de videomonitoramento, inclusive par a parte
externa. E aí contratar”, conta.
Com os equipamentos, a
Secretaria pretende coibir, inclusive, a ação de pessoas que circulam pelas
imediações da unidade e arremessam objetos por cima do muro para os
presidiários.
Ainda para evitar a entrada de
material ilícito no estabelecimento prisional, o secretário afirma que tem
falado com a direção para tomar providências quanto aos detentos considerados
de confiança. Eles têm livre circulação nas dependências de Alcaçuz, pois
realizam serviços como entrega de quentinhas e retirada de lixo.
Feitosa desconfia que boa
parte das ferramentas e outros materiais proibidos dentro da carceragem sejam
levados por esses homens. “Muitas vezes até sob ameaça. Os outros detentos
dizem que se eles não levarem o material jogado por cima do muro irão
matá-los”, explica.
Para tentar acabar com a
prática, Cristiano Feitosa diz que a Sejuc vai tentar cercar o local onde vivem
os detentos de confiança. Atualmente, eles ocupam a antiga enfermaria, que foi
transformada em carceragem em virtude da falta de espaço para abrigar os
apenados.
O lugar sendo cercado, com
saída permitida somente durante os afazeres que lhes são designados, esses
presos teriam menos contato com os demais, o que poderia, sob a ótica do
secretário, diminuir a cooperação criminosa para a entrada de objetos.
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