O
recente Informativo do STF, de número 794,
divulga o andamento de uma ação que pode trazer profundas alterações em uma
prática antiga no Brasil: a chamada “vaquejada”.
Trata-se da discussão sobre a possível
inconstitucionalidade da Lei Estadual nº
15.299/2013, editada pelo Ceará, e que buscou regulamentar a prática
citada como "manifestação desportiva e cultural" no referido Estado.
O tema envolve
uma ponderação polêmica de princípios constitucionais.
A nossa Constituição Federal de 1988 protege, ao mesmo tempo, dois
princípios que entram, no caso, em rota de colisão:
1.
a proibição dos maus-tratos contra
animais, conforme previsão do artigo 225, § 1º, inciso VII, que diz ser
incumbência do Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da
lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”;
2.
a preservação das manifestações
culturais, conforme previsão do artigo 215,caput, e § 1º, que
determinam que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais”, protegendo as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Diante das complexidades evidenciadas
pelo caso, caberá ao Supremo Tribunal Federal definir a questão, já que exerce
a função de intérprete máximo de nossoTexto Constitucional.
E temos, com
isso, um tema extremamente delicado, cuja decisão pode trazer sérias
repercussões.
Vale lembrar
que o STF já julgou ao menos dois casos famosos envolvendo a contraposição dos
princípios mencionados: os
célebres casos da “farra do boi” e da “rinha de galo”.
Vejamos,
abaixo, ementa contendo o julgamento do caso da “farra do boi” (STF, RE 153531/SC, Rel. Min.
Francisco Rezek, DJ 13.09.98):
COSTUME
- MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA
FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno
exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das
manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição
Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à
crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado
"farra do boi".
Ademais,
vejamos, ainda, trecho da ementa de julgado mais recente, desta vez envolvendo
a prática da chamada “rinha de
galo” (STF, ADI 1856/RJ, Rel.
Min. Celso de Mello, Dje 14.10.2011):
A
promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada
na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de
animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do
boi” (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente
manifestação cultural, de caráter meramente folclórico.
Em ambos os
casos, a votação do Supremo Tribunal Federal foi, ao final, pela proibição das referidas
práticas, já que a Corte entendeu que submetiam os animais à crueldade.
Ocorre que
não é o placar que temos, no momento, em se tratando da discussão da vaquejada.
Segundo
informação contida no Informativo acima citado, até agora foi proferido voto
pelo Ministro Relator, Marco Aurélio, considerando procedente o pedido para, de
fato, proibir a prática.
Contudo, após
o voto do Relator, mais dois Ministros votaram: os Ministros Edson Fachin e
Gilmar Mendes, que entenderam pela improcedência do pedido, argumentando a
necessidade de levar em consideração o contexto cultural da vaquejada, diante
da realidade da população rural.
De acordo com
os Ministros, o caso revelaria intuito distinto da morte praticada aos animais
vitimados nos casos da “farra do boi” e da “rinha de galo”, anteriormente
proibidos pelo Supremo Tribunal Federal.
Sendo
assim, por enquanto temos a seguinte síntese: um voto pela proibição, e dois pela
permissão da vaquejada, sendo os autos entregues ao Ministro Roberto Barroso,
que pediu vista para, posteriormente, proferir o seu entendimento.
Ainda não
sabemos o desfecho do julgamento, mas certamente teremos mais uma decisão
empolgante para acompanhar em nosso STF, a evidenciar o seu importante papel na
solução de casos de significativa complexidade em nosso Direito.
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