A pista de tampinhas criada pelos meninos da comunidade de Acupe, no
Recôncavo Baiano, as brincadeiras da queixada e do tucunaré das crianças
da terra indígena Panará, no Pará, a cantiga da Lagarta Pintada,
cantada pelas meninas no litoral de Tatajuba, no Ceará, se juntam aos
carrinhos e às tradicionais brincadeiras de bonecas. O universo lúdico infantil de Norte a Sul do país é tema do documentário Território do Brincar, que tem pré-estreia no dia 20 de maio na Ciranda de Filmes,
mostra de cinema com foco na infância e na educação. A estreia oficial
será no dia 28 de maio em São Paulo e no Rio de Janeiro e no dia 4 de
junho em Porto Alegre, Curitiba, Brasília, Florianópolis, Belo
Horizonte, Salvador, João Pessoa e Santos.
O longa-metragem faz parte do Projeto Território do Brincar,
uma parceria com o Instituto Alana, que mapeou, entre abril de 2012 e
dezembro de 2013, as muitas formas de brincar em comunidades rurais,
indígenas, quilombolas, das grandes metrópoles, do sertão e do litoral.
Além do filme, a iniciativa conta com exposição itinerante, duas séries
infantis para a TV e um livro em produção.
A educadora Renata
Meirelles, coordenadora do projeto, conta que uma das propostas é
aproximar o adulto do universo infantil. “Quando a gente opta olhar o
brincar, a gente opta por trazer o que há de mais belo e potente na
infância. Com o filme, a gente quer aproximar as pessoas do que há de
mais potente no ser humano e relembrar isso para os adultos”.
Outra
ideia do projeto, diz Renata, é mostrar a diversidade do Brasil a
partir das crianças. “O que a gente gostaria com esse filme e com o
projeto em geral é espelhar a beleza que somos como país e como pessoas.
A importância do filme é a escuta da criança para que ela nos espelhe
tudo isso”, disse a educadora, que fez o filme em parceria com o marido,
o documentarista David Reeks.
Para a coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento, Adriana
Friedmann, brincar é essencial na vida de qualquer criança desde que
nasce. “Além de ser um fenômeno que é da natureza de qualquer ser
humano, é uma das linguagens espontâneas através das quais a criança se
expressa, descobre o mundo, as pessoas e os objetos à sua volta, aprende
e incorpora valores, e as singularidades das diferentes culturas com as
quais se conecta”, disse.
Segundo a pedagoga, a brincadeira tem o
potencial de promover o desenvolvimento integral das crianças nos
aspectos físico, emocional, social e cognitivo. “No ato de brincar, a
criança está absolutamente mergulhada em um espaço sagrado, conectada
profundamente com o presente de forma orgânica, corpo, sensações,
emoções e todos seus sentidos participam destes processos. Brincar é a
possibilidade de viver a fantasia, a imaginação, imitar o mundo adulto, o
mundo animal e a natureza. Brincando as crianças são desafiadas a se
superarem, a descobrirem. Brincar é a forma de as crianças fazerem
poesia e nos contarem quem são, o que sentem, o que vivem, seus medos,
suas preferências, seus potenciais e suas limitações.”
O
professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB)
Lúcio Teles acredita que os pais devem evitar o uso excessivo de
brinquedos eletrônicos e joguinhos em tablets e celulares.
“Hoje, a criança tende a ficar muito em casa, sempre conectada, pode ter
problemas de obesidade e se tornar mais arredia, tímida, porque não
sabe vivenciar a experiência social da brincadeira. Isso é um desafio
[para as famílias]. A internet brasileira é muito poluída com vídeos e
informações que não são adequadas para crianças, com mensagens de ódio e
racismo. Se a criança não tiver uma boa orientação dos pais, ela tende a
ver isso como normal”, destacou o educador.
Uma das saídas
apontadas por Adriana Friedmann para o resgate do brincar nos centros
urbanos é que a família desperte a memória e a vontade de ensinar e
brincar com as crianças as cantigas, histórias e os jogos que aprenderam
na sua própria infância. “Um mundo lúdico se abre em cada núcleo
familiar. Quando a criança vai para o coletivo, para a escola, os
educadores passam a ter esse papel de resgatar brincadeiras tradicionais
populares e convidar cada criança a trazer as das suas famílias”,
completou.
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