Das jovens mães entre
15 e 17 anos com pelo menos um filho, apenas uma em cada quatro continua
estudando (25,3%). É o que mostra um levantamento do movimento Todos
Pela Educação (TPE), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (Pnad). Confira os dados completos aqui.
Natural da Bahia, em 2014, Tamires de Souza Santos, então com 18 anos,
migrou para São Paulo ao lado do marido, em busca de uma vida melhor,
“com mais condições”, conta ela. Estabelecidos na metrópole, as mudanças
não demoraram a acontecer: uma nova vida, literalmente. Tamires espera
uma menina para o mês de julho.
A gravidez não deveria, mas interrompeu o sonho da jovem de concluir a
Educação Básica. Com o Ensino Médio incompleto, Tamires não retomou os
estudos em São Paulo por acreditar que não fosse permitido. “Como fiquei
grávida, achei que não podia porque eu ia ter que sair para ganhar o
bebê e cuidar dele”, explica.
A gravidez precoce também afastou Rayane Hecher, de Cachoeira de
Itapemirim, Espírito Santo, da escola. Grávida aos 14 anos, Rayane
decidiu abandonar a escola “com medo de que pudesse sofrer algum
acidente”. Hoje, com 15 anos, a adolescente ainda não retomou os
estudos, mas pretende.
Tamires e Rayane fazem parte do grupo de mães jovens que não concluíram
a Educação Básica. O conjunto é heterogêneo e abriga mães que já haviam
parado de estudar e não conseguiram retomar com o surgimento da
maternidade, mães que desistiram após engravidar ou ainda aquelas que
desistiram depois de dar à luz.
O levantamento, que trabalha com dados de 2013, considerou apenas
jovens entre 15 e 17 anos que estavam fora da escola. De acordo com esse
recorte, cerca de 1,3 milhão de jovens nessa faixa etária não estudavam
nem trabalhavam – são os chamados “nem-nem”. As meninas eram maioria
nessa população, 59,1%. Dessas, aproximadamente um terço tinha pelo
menos um filho.
Um tempo fora da escola
Desde que nasceu, há um ano, o filho de Rayane ocupou parte fundamental da vida da jovem. “Eu não voltei para a escola porque, naquele momento, queria dar prioridade a ele”, declara. Ela decidiu permanecer em casa “por um tempo”. O plano é retornar à escola assim que a criança completar 2 anos e, futuramente, se tornar webmaster (profissional que faz a programação de sites de internet).
Desde que nasceu, há um ano, o filho de Rayane ocupou parte fundamental da vida da jovem. “Eu não voltei para a escola porque, naquele momento, queria dar prioridade a ele”, declara. Ela decidiu permanecer em casa “por um tempo”. O plano é retornar à escola assim que a criança completar 2 anos e, futuramente, se tornar webmaster (profissional que faz a programação de sites de internet).
O problema dessa interrupção nos estudos é que ela pode resultar em
duas situações: abandono escolar ou distorção idade-série. Observando os
dados sobre as jovens fora da escola que não têm filhos em comparação
àquelas que os têm, é mais frequente a retomada dos estudos no primeiro
grupo. Entre 2012 e 2013, entre as adolescentes que não trabalhavam nem
estudavam, enquanto o número das que eram mães e concluíram o Ensino
Médio caiu, entre as que não tinham filhos houve aumento na conclusão
dessa etapa de ensino.
Kelly Souza, de 17 anos, também resolveu ficar um tempo fora da escola.
Diferente de Rayane que ainda não voltou a estudar, a jovem está
cursando o 2º ano do Ensino Médio em uma escola pública, em Diadema. Mãe
aos 14 anos, ela conta que passou um ano em casa para se adaptar a nova
fase da vida.
O tempo longe da sala de aula ocasiona aquilo que os especialistas
chamam de distorção no fluxo escolar. O problema está contemplado na
meta 7 do Plano Nacional de Educação (PNE), cuja proposição é fomentar a
qualidade da Educação Básica em todas as etapas e modalidades,
melhorando o fluxo escolar e a aprendizagem.
Para evitar que adolescentes mães deixem a escola por um período ou
para sempre, Clóvis Boufleur, gestor de relações institucionais da
Pastoral da Criança, defende que haja diálogo sobre as consequências
para a vida da jovem. “Ela precisa continuar na escola. Sair diminui as
chances de a estudante ter sucesso na vida profissional. Entre estudar
ou trabalhar, que estudar seja a prioridade”. Para ele, isso passa pelo
apoio tanto da família como da comunidade escolar. Leia mais sobre apoio
às estudantes grávidas aqui.
De volta à escola, Kelly conta porque retomou os estudos. “Voltei para
poder ajudar o meu filho a estudar quando ele estiver na escola. E
também por causa do meu futuro profissional”. O desejo de concluir
também é manifestado por Tamires, que veio da Bahia para melhorar de
vida. “Estou agoniada sem estudar. Terminar os estudos seria o orgulho
dos meus pais”.
O ingresso em atividades da vida adulta de forma precoce, em detrimento
da continuidade dos estudos, terá um impacto na vida escolar e
profissional dessas jovens, aponta Alejandra Meraz Velasco,
coordenadora-geral do TPE. “A escola precisa de uma rede de políticas
sociais de apoio aos alunos com entornos mais vulneráveis que impeçam
que as circunstâncias e carências no cotidiano dos jovens os conduzam
para fora da escola”, pondera.
O direito à licença maternidade escolar
A não garantia de direitos dificulta a continuidade ininterrupta da trajetória escolar das mães adolescentes, aponta Boufleur. “As escolas não disponibilizam, não sabem ou pelo menos não deixam claro em seus estatutos quais são os direitos das estudantes adolescentes”, critica.
A não garantia de direitos dificulta a continuidade ininterrupta da trajetória escolar das mães adolescentes, aponta Boufleur. “As escolas não disponibilizam, não sabem ou pelo menos não deixam claro em seus estatutos quais são os direitos das estudantes adolescentes”, critica.
Três anos após a gravidez, Kelly garante que não sabe seus direitos até
hoje. A jovem conta que, quando se tornou mãe, estudou em casa durante
um mês, mas as lições por ela feitas nesse período não foram aceitas
pelos professores. O único direito que lhe foi assegurado não foi
cumprido. “A direção escolar disse que a minha vaga seria guardada, mas
não ocorreu como o prometido. Eu tive que voltar à fila das vagas sem
preferência alguma”, relembra.
“Há desconhecimento generalizado entre professores, diretores e alunos
sobre a licença maternidade escolar, que garante quatro meses de
afastamento para a aluna gestante”, afirma Boufleur. “É uma lei de 1975,
os educadores deveriam saber”, afirma.
Dayane Silva, de 16 anos, é mais uma jovem mãe. A dois meses de dar à
luz, ela cursa o último ano do Ensino Médio em uma escola estadual,
também em Diadema, e ainda não sabe quais direitos a resguardam. “Sei
que tenho que conseguir algum atestado, mas não sei onde e quando”,
conta. “Soube disso porque todas minhas amigas grávidas me disseram e
não a equipe escolar”, esclarece. Sobre a possibilidade de realizar
algumas tarefas escolares em casa, ela também está confusa.
A lei que protege as mães estudantes é a de n° 6.202.
O texto assegura o direito das estudantes grávidas se ausentarem por
quatro meses da escola, a partir do oitavo mês de gestação. A Lei n°
1.044 complementa a anterior e estabelece que estudantes com licenças de
saúde - grupo onde as adolescentes grávidas se encaixam - têm o direito
de fazer “exercícios domiciliares com acompanhamento da escola” para
compensar a ausência em sala de aula.
Universalização do ensino
Prevista na Emenda Constitucional n° 59, outorgada em 2009; e na meta 3 do PNE, a Educação dos jovens entre 15 e 17 anos é obrigatória e deve ser universalizada até 2016. Contudo, em 2013, 21,6% dos jovens dessa faixa etária não frequentavam a escola.
Prevista na Emenda Constitucional n° 59, outorgada em 2009; e na meta 3 do PNE, a Educação dos jovens entre 15 e 17 anos é obrigatória e deve ser universalizada até 2016. Contudo, em 2013, 21,6% dos jovens dessa faixa etária não frequentavam a escola.
Para Alejandra, o número expressivo de jovens fora da escola reflete a
desconexão entre a realidade do aluno do Ensino Médio e a instituição
escolar. “As dificuldades encontradas pelos jovens para acompanhar os
estudos e a falta de conexão entre o que se aprende na escola e o os
saberes necessários para a vida provoca o desinteresse dos alunos”,
sustenta.
O acúmulo de dificuldades no decorrer do Ensino Fundamental, pondera
Haroldo de Gama Torres, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap), também é um dos fatores que influenciam na evasão. “A
universalização ainda é difícil porque o aluno vem com muitas carências
desde o Ensino Fundamental; quando ele chega ao Ensino Médio e precisa
aprender sobre matérias complexas, pode haver um grande abismo aí“,
explica.
E o especialista alerta: recolocar os jovens na escola não é uma tarefa
simples. “Inserir o jovem de volta na escola é muito difícil,
principalmente em idades mais avançadas, porque ele se sente deslocado. A
alternativa mais eficiente é melhorar o Ensino Fundamental desde a base
para que não haja esse 'buraco'”, orienta.
Aos que desejam recuperar o tempo perdido, a alternativa é a Educação
de Jovens e Adultos (EJA), como no caso de Tamires, que pretende
procurar vagas nessa modalidade de ensino. “Agora que sei que posso
estudar, quero voltar, mas voltar para o EJA para ir mais rápido”,
aponta a jovem mãe.
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