Fonte: Portal Fórum
Para a principal emissora do Brasil,
mesmo numa situação-limite como os dramas que se abatem sobre o Nepal com o
terremoto que deixou, até aqui, mais de 4 mil mortos, ainda sobra tempo e
espaço para um pouco de autopromoção
A TV Globo estendeu as comemorações de seus 50
anos de fundação para a programação geral. O Jornal Nacional de segunda-feira
(27/4), quase todo tomado pela tragédia que atingiu o Nepal, foi contaminado
pelo espírito da efeméride. Para a principal emissora de televisão do Brasil,
mesmo numa situação-limite como os dramas que se abatem sobre o Nepal com o
terremoto que deixou, até aqui, mais de 4 mil mortos, ainda sobra tempo e
espaço para um pouco de autopromoção.
O tremor que sacudiu o sul da Ásia apresenta,
como é natural, uma enorme variedade de abordagens, mas, para a Globo, tudo
começa e termina em seu próprio espelho. A cobertura dominou o telejornal de
maior audiência, com relatos e imagens sobre o drama de pessoas soterradas, a
tragédia de quase um milhão de crianças em situação de emergência, a paciente
fila de familiares que esperam para cremar seus mortos num dos templos hindus
e, claro, a falta de comida e água e os milhares de desabrigados.
Como sempre ocorre nessas ocasiões, os editores
encomendam entrevistas com brasileiros apanhados em meio ao acontecimento, em
contraponto com imagens de suas famílias, aliviadas pelo serviço de mensagens
da emissora. Mas, desta vez, os principais protagonistas dessas cenas
emocionais foram os próprios jornalistas.
Há aspectos interessantes a se destacar, como,
por exemplo, o esforço dos repórteres para explicar as diferenças de
temperamento entre as vítimas de desastres em geral e a população do Nepal, que
protagoniza poucas cenas de gritaria e desespero em público. Mas percebe-se que
faltou aos profissionais colocados diante das câmeras aquela medida certa de
compaixão e distanciamento que garante a boa narrativa sem cair na pieguice.
Talvez por falta de treinamento, os jornalistas
destacados para o trabalho, especializados em aventuras cuidadosamente
produzidas, que fazem o programa Planeta Extremo, não souberam enfrentar o
verdadeiro drama humano quando se viram diante dele. O que se registrou foi uma
patética repetição de lugares comuns e exibicionismo, em nada comparáveis com o
desempenho que um dia marcou as carreiras de outros profissionais da emissora,
como Pedro Bial e Caco Barcellos.
Tudo a ver
Mas não se pode responsabilizar apenas os
repórteres que foram chamados para relatar a tragédia: todas as entradas em
cena foram comandadas pelo editor e apresentador William Bonner, que estimulou
o protagonismo exagerado. Houve, portanto, uma orientação da emissora para a
estratégia de ancorar a dramaticidade do evento nas figuras dos jornalistas,
deixando as vítimas principais da tragédia como pano de fundo, no papel de
meros figurantes.
Um dos destaques da cobertura foram os mais de
cinco minutos em que os dois repórteres do Planeta Extremo – Carol Barcellos e
Clayton Conservani – deram seus depoimentos sobre o que haviam testemunhado.
O risco de colocar ao vivo profissionais
habituados ao suporte da produção deu o resultado previsível: Conservani contou
que havia comprado cem garrafas de água mineral, ao mesmo tempo em que relatava
o sofrimento dos nepaleses com a falta de água para beber. No clima que o
próprio tema provoca, muitos telespectadores devem ter ficado com a sensação de
que faltou compaixão ao jornalista (ver aqui).
Na hora de expressar sua percepção do sofrimento
em torno de si, ele saiu-se com uma platitude ao dizer que “uma característica
muito legal do povo nepalês é que eles não ficam se lamentando, não ficam se
queixando, eles simplesmente aceitam essa situação e tentam seguir em frente”.
Ou seja, relativiza-se a dor do outro por que, afinal, sendo hinduístas ou
budistas, certamente os nepaleses são mais resignados.
Diga-se, em favor dos repórteres, que eles estão
mais habituados a entrevistar pedras e rios caudalosos, e que os seres humanos
que costumam ter diante de si são dessa espécie de super-herói que decide
deixar o tédio da vida burguesa para enfrentar montanhas e cachoeiras. Mas não
se pode relativizar o empenho da emissora em transformar a tragédia alheia em
produto de merchandising de sua programação.
Uma amostra já foi apresentada na segunda-feira,
durante o programa Encontro com Fátima Bernardes, quando se criou um enorme
suspense para dizer que a filha pequena da repórter Carol Barcellos ainda não
sabia que a mãe estava retida no Nepal (ver aqui).
Alguém duvida de que os dois repórteres estarão
na próxima edição do Domingão do Faustão ou do Fantástico, para relatar suas
intensas emoções?
Globo e seu próprio umbigo: tudo a ver.
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