Profissionais do Mais Médicos trazidos por meio de convênio com o governo de Cuba reclamam da falta de repasse das prefeituras para despesas básicas
Médicos cubanos que atuam na UBS Olaria do Nino, na periferia de Osasco. Na foto, Lorenzo Lopes
Cubanos do programa federal Mais Médicos, responsáveis pelo atendimento
em unidades básicas de saúde nas periferias de grandes cidades e no
interior do País, têm trabalhado sem receber o dinheiro da ajuda de
custo prometido pelas prefeituras. Para driblar o atraso, eles
improvisam repúblicas, vivem de cestas básicas, recebem "vale-coxinha" e
pagam, do próprio bolso, a passagem de ônibus para fazer visitas do
Programa Saúde da Família (PSF).
Embora o Ministério da Saúde pague as bolsas, cabe às prefeituras
arcar com os custos de moradia, alimentação e transporte. A cláusula é
uma exigência do governo federal para a participação no programa.
"Em Cuba, disseram que teríamos facilidades que não estamos
encontrando aqui. Prometeram, por exemplo, que haveria um carro nas
unidades para levar para as visitas domiciliares, mas isso não existe.
Temos de pegar ônibus e pagamos a passagem", diz uma médica cubana que
atende em uma UBS da capital paulista.
Os médicos têm despesa extra de pelo menos R$ 24 com as tarifas.
"Parece pouco, mas faz diferença porque recebemos só US$ 400, e o custo
de vida aqui é alto", afirma. A bolsa em torno de R$ 900, ante a de R$
10 mil paga a profissionais de outras nacionalidades, foi um dos motivos
apresentados por Ramona Matos Rodríguez, de 51 anos, para abandonar o
programa, no Pará, na semana passada.
Os médicos reclamam também do vale-refeição. "São R$ 180 por mês, dá
R$ 8 por dia de trabalho. Onde você almoça em São Paulo com esse
dinheiro?", pergunta um médico trazido por meio do convênio entre a
Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o governo federal e o governo
cubano, que fica com a maior parte da bolsa.
Nenhum cubano ouvido na capital quis ter seu nome divulgado com medo
de represálias. Eles receberam um comunicado oficial da Secretaria
Municipal da Saúde que os proíbe de conceder entrevista sem autorização.
Em Osasco, o maior problema é o atraso no pagamento dos auxílios para
moradia e alimentação referentes ao mês de janeiro. "Eles não têm
dinheiro para nada", conta um médico sobre a condição dos profissionais
trazidos em dezembro. Os cubanos não comentam abertamente os contratos,
mas, diante dos atrasos, admitem dificuldades.
Gestores da saúde da cidade da Grande São Paulo relatam que médicos
que não recebem a ajuda de custo são transportados em carro do serviço
público para as UBSs, de "casa" para o trabalho e do trabalho para
"casa". Eles moram ainda em hotéis. "Essa é uma surpresa desagradável do
trabalho", disse um médico do programa.
Cubatão também tem situação difícil. No município da Baixada
Santista, quatro médicas cubanas foram alojadas em uma casa, em uma
espécie de república, na qual vivem com cestas básicas da prefeitura em
substituição ao dinheiro da alimentação, que ainda não veio. São Paulo,
Osasco e Cubatão são governados pelo PT.
Os atrasos se repetem em Francisco Morato, município dirigido pelo
PV. Com nove cubanos, um uruguaio e um brasileiro formado na Argentina, a
cidade deveria gastar com cada médico R$ 500 de ajuda de custo e R$ 2,5
mil no aluguel, segundo o convênio com o Ministério da Saúde. Mas, até a
semana passada, o pagamento era somente uma promessa.
Notificações. O descumprimento de regras não é
exclusividade dos municípios paulistas. Em todo o País, 37 prefeituras
já foram notificadas pelo governo federal após serem acusadas de
irregularidades. A maioria das notificações foi causada pela falta de
pagamento dos auxílios.
De acordo com a pasta, 27 dos casos já foram encerrados, a maioria
deles com a regularização. No entanto, a prefeitura de Ceará-Mirim, no
Rio Grande do Norte, foi descredenciada. A decisão foi tomada no dia 24
do mês passado, após o ministério tentar, por dois meses, fazer com que o
município pagasse os auxílios a três estrangeiros.
Missão. Apesar de tantos problemas, há cubanos que
encaram a atuação no Brasil como uma missão humanitária. Yaima Gonzalez,
de 29 anos, é um exemplo. Ao lado de dez compatriotas, ela não reclama
do atraso nos auxílios em Osasco nem do porcentual recebido de Havana.
"O governo de Cuba fez um contrato e estamos aqui para ajudar", diz
Yaima, que atuou na Venezuela.
Para matar a saudade da família, os contatos com as duas filhas são
diários. "Conversamos por e-mail", conta, lembrando que o contrato vai
durar três anos. Quando não está na UBS, a cubana descansa no hotel e
passeia pela capital. "Já fui à Rua 25 de Março", diz a médica, com um
sorriso no rosto.
Para o cubano Raidel Sanchez Rojas, de 43 anos, que trabalha na UBS
Nova Osasco, o estilo de vida dos brasileiros é sua maior preocupação.
"Encontramos aqui hipertensão, diabetes, gastrites, obesidade. São
doenças que revelam um estilo de vida", diz o médico, em bom português.
"Trabalhamos pela prevenção", afirma. Ele também é vítima do atraso dos
repasses, mas está otimista. Na semana passada, acreditava que logo
alugaria uma casa em Osasco. Enfim, teria um lar.
Nenhum comentário :
Postar um comentário