Camila
Boehm – Repórter da Agência Brasil
Os primeiros testes com a fosfoetanolamina
sintética, substância utilizada na pílula do câncer, mostraram que o conteúdo
das cápsulas não é puro e que ela não tem eficácia contra células cancerígenas.
A conclusão é de grupo de pesquisadores instituído
pelo governo, em uma iniciativa coordenada pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação e o Ministério da Saúde. Os pesquisadores concluíram que
a fosfoetanolamina apresentou quatro substâncias diferentes. A eficácia da
substância foi testada apenas em culturas de células, os chamos testes in
vitro.
“No início, acreditávamos que havia apenas um
componente na cápsula, que era a fosfoetanolamina pura, segundo o grupo da
[Universidade de São Paulo do campus de São Carlos] afirmou. Quando
realizamos as análises dos componentes da cápsula, percebemos que tem cinco
componentes lá dentro”, disse Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de
Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que participou da pesquisa
na fase de caracterização e síntese dos componentes da pílula.
A quantidade encontrada de fosfoetanolamina era de
somente 32,2%, o restante incluía monoetanolamente, fosfobisetanolamente,
fosfatos e pirofosfatos. “Essa fosfoetanolamina é impura, esses outros quatro
componentes não deveriam estar dentro da cápsula”, disse o professor. O grupo
de Dias foi responsável por isolar e caracterizar cada um dos componentes para
que estes pudessem ser testados separadamente em células tumorais.
A partir daí, foram realizados os testes in
vitro, no qual as substâncias são testadas em culturas de células. “Os
resultados dos testes in vitro não foram muito animadores para a
fosfoetanolamina. Eles mostraram nenhuma eficácia da fosfoetanolamina de matar
células cancerígenas”, disse o professor.
Uma das impurezas, a fosfobisentanolamina, também
não apresentou eficácia para matar células de câncer, mas, segundo Dias, “o
interessante é que nem uma nem outra são tóxicas”. Já um terceiro componente, a
monoetanolamina, apresentou um pequeno efeito antitumoral, mas muito menor
quando comparado com dois antitumorais utilizados no combate ao câncer: a
gencitabina e a cisplatina, de acordo com o relatório.
A variação da quantidade de substância contida em
cada cápsula também foi apontada nos relatórios. Os pesos encontrados pelos
pesquisadores variou de 233 miligramas (mg) até 368 mg, quando o rótulo
indicava “Fosfoetanolamina sintética 500mg”. Para Dias, essa medição é
extremamente importante porque, se o rótulo traz uma informação, o médico vai
trabalhar com esse dado para prescrição da substância ao paciente, dependendo
de seu peso e do efeito terapêutico desejado. Porém, nesse caso, havia menos
miligramas que o indicado, induzindo a um erro na utilização.
Além disso, o paciente tomaria a cápsula com todas
as impurezas identificadas pela Unicamp. “Olha só o perigo que é isso, a
responsabilidade, porque você não sabe os efeitos tóxicos que os outros
componentes têm”, disse Luiz Carlos Dias.
Os primeiros relatórios da pesquisa foram
divulgados na última sexta-feira (18). Na última terça-feira (22), o Senado aprovou o projeto de lei
que garante aos pacientes com câncer o direito de usar a fosfoetanolamina,
mesmo antes de ela ser registrada e regulamentada pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Testes em animais
A fase seguinte, que já foi iniciada, é o teste in
vivo das três principais substâncias da cápsula, ou seja, em organismos vivos,
neste caso, animais de pequeno porte.
O professor explicou que, normalmente, quando os
testes in vitro dão negativos, a substância não segue para testes in
vivo. “Não sacrificamos animais para fazer testes com algo que in vitro não
deu resultado, porque tem que usar animais de pequeno porte nas fases de testes
in vivo. Então normalmente só vamos para testes in vivo com
moléculas que são promissoras nos testes in vitro”, disse o professor de
química Luiz Carlos Dias, da Unicamp.
Mesmo com os testes in vitro tendo
apresentado resultados desanimadores, os testes em animais vão ser realizados,
segundo Dias, devido a uma pressão popular. Na avaliação do pesquisador, no
entanto, “a cápsula hoje, como ela está com esses cinco componentes, não
deveria ser ingerida por ninguém, sem saber o que cada componente provoca no
organismo”.
Monoetanolamina
Dias informou que a monoetanolamina, que apresentou
uma atividade antiproliferativa das células cancerígenas, ainda passará por
mais estudos. “A monoetanolamina, que ainda não foi determinada se é tóxica ou
não, ela tem um pequeno efeito antitumoral. Isso [pesquisa] está em andamento,
porque nós não esperávamos que ela fosse apresentar, mesmo que pequeno, um
efeito antitumoral. Nós esperávamos a fosfoetanolamina apresentando [efeito
antitumoral]”.
Na próxima semana, segundo o professor, um
relatório mais detalhado das pesquisas, contendo toda parte de avaliação e
síntese, será entregue ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Histórico
A fosfoetanolamina sintética foi estudada
pelo professor Gilberto Orivaldo Chierice, hoje aposentado, quando
ele era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP.
Algumas pessoas tiveram acesso gratuito às cápsulas contendo a substância,
produzidas pelo professor, porém sem aprovação Anvisa. Esses pacientes usaram a
substância como se fosse um medicamento contra o câncer.
Em junho de 2014, uma portaria da USP determinou
que substâncias em fase experimental deveriam ter todos os registros antes de
serem distribuídas à população. Desde então, pacientes que tinham conhecimento
das pesquisas passaram a recorrer à Justiça para ter acesso às pílulas. O
projeto aprovado no Senado busca resolver a questão do acesso, liberando o uso
da substância mesmo sem o registro da Anvisa.
Assim, diante da expectativa gerada em torno do
efeito antitumoral da fosfoetanolamina, o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação criou o grupo de trabalho para testar a “pílula do câncer”. O objetivo
é investigar os efeitos da substância e esclarecer se ela é efetiva contra a
doença. “O único objetivo é esclarecer. Não é fazer alguma coisa contra o
pessoal de São Carlos ou a favor. Todo mundo torce obviamente para que o
negócio seja verdade, mas nós temos que esclarecer”, disse Luiz Carlos Dias.
Legalidade
No último dia 14, a Sociedade Brasileira de Cancerologia
(SBC) divulgou nota dizendo que não apoia a legalidade da chamada
pílula do câncer. Na semana anterior, o plenário da Câmara dos Deputados havia
aprovado o Projeto de Lei 4.639/16 autorizando a produção da fosfoetanolamina
sintética. O projeto, assinado por 25 parlamentares de diversas legendas,
seguiu para o Senado, onde foi aprovado.
A Anvisa também se manifestou dizendo que vê com
preocupação a aprovação do projeto. A agência reguladora argumentou que a
fosfoetanolamina é uma substância utilizada há 20 anos de maneira ilegal e que
nunca foi testada de acordo com as metodologias científicas internacionalmente
utilizadas para comprovar sua segurança e eficácia.
Edição: Lana
Cristina
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